Inquietações Pedagógicas

"Não sei, meus filhos, que mundo será o vosso…"  Jorge de Sena in Metamorfoses

6.7.05
 
Pequenas coisas que fazem a diferença...
-Gatinho de Cheshire ... És capaz de me dizer, por favor, que caminho devo seguir para sair daqui?
-Isso depende muito de para onde queres ir, respondeu o Gato.
-Tanto me faz..., disse Alice.
-Então não interessa que caminho tomas, disse o Gato.
-Desde que chegue a algum sítio, acrescentou Alice, à laia de explicação.
-Quanto a isso, não há dúvida, disse o Gato, se caminhares o suficiente.
(Carroll, L., in Alice no País das Maravilhas,Ed. Ambar, Porto, 2003)

Este diálogo, que descreve um dos encontros da viagem atribulada de Alice, no País das Maravilhas, veio-me à lembrança a propósito da “cena” (usando a linguagem dos alegados participantes) ocorrida, recentemente, numa praia cerca de Lisboa.
Mas o que é que a Alice, o gato, e os simbólicos e fantásticos interlocutores que a foram surpreendendo e inquietando no seu sonho têm a ver connosco e com essa situação, perguntarão?
Têm tudo! Em primeiro lugar, a Alice, que se encontra numa encruzilhada e que tendo a percepção de se saber perdida e sem saber para onde quer ir, ou como o conseguir, mas que tem a humildade de pedir ajuda ao primeiro gato que lhe aparece!
Depois, o gato sábio, devolvendo-lhe com outra pergunta – para onde queres ir? - a responsabilidade/protagonismo da decisão na escolha do seu futuro. E que, em seguida, desinteressando-se (aparentemente) do problema, lhe responde que, quem anda à deriva, vai até onde as pernas (e não a cabeça) o leva.
Também, no que se refere à imigração e à interculturalidade, há pequenas coisas que fazem a diferença. Neste caso, o ponto de interrogação!.
É que, mais importante do que as respostas, são as perguntas! E nenhum dos actores (todos nós) está dispensado de (se) questionar sobre a forma como recebemos e acolhemos os imigrantes e os seus filhos.
Os que se dizem “indiferentes” devem questionar-se se o seu alheamento não esconde alguma xenofobia, e se não pode contribuir para agravar tensões sociais, sempre agudizadas em épocas de crise
Os de nós que rejeitam “os de fora” devem perguntar-se se este país funcionaria sem o contributo dos que decidiram abandonar a sua terra, e com o seu trabalho contribuir para desenvolver este país?.
E os decisores talvez possam perguntar-se “O que ficou por fazer para integrar os imigrantes?” E porquê?
Finalmente todos os que, tal como a Alice, se encontram perdidos nas encruzilhadas da vida, deverão interrogar-se se atitudes de protesto ou rejeição mais ou menos violentas resolvem problemas, ou se contribuem para agravar as (enormes) tensões que todas as desigualdades sociais geram, especialmente em tempos de crise.
Há uma outra “pequena coisa” que, para problemas como estes, faz a diferença é apostar numa Educação que de forma continuada e serena ajude (todos) professores e alunos, produtores e “consumidores” de media, famílias e organizações, a aprenderem com o Gato de Cheshire a pôr questões que façam os outros pensar!

Isabel Ferreira Martins
ACIME (Alto-Comissariado para Imigração e Minorias Étnicas) / Entreculturas

Publicado no jornal A Capital a 3 de Julho

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