Inquietações Pedagógicas

"Não sei, meus filhos, que mundo será o vosso…"  Jorge de Sena in Metamorfoses

31.7.05
 
Porque é que Salazar nos governou durante trinta e tal anos?
A Srª Ministra da Educação colocou na Internet um documento que titulou"Política Educativa e Organização do Ano Lectivo 2005/2006". É um documentode muitas páginas porque está escrito em letras com corpo 28. A Srª Ministra chamou os Presidentes dos Conselhos Executivos das Escolas, reuniu-se com eles para detalhar este documento que é apresentado, em tópicos, na Web e, ao que parece, cada Presidente tem a sua versão o que não abona em nada a clareza da exposição. Neste documento a Srª Ministra divide o horário dos Professores em duas componentes:lectiva e não lectiva. Vinte eduas horas (2º, 3º ciclos) de componente lectiva e treze de não lectiva. Nosvários exemplos que dá de horários para os docentes, aparecem sempre sete horas atribuídas ao trabalho individual das treze não lectivas. As outras seis horas distribuem-se por reuniões e por trabalho no estabelecimento. Entende-se por trabalho individual o trabalho de correcção de testes e detrabalhos e o trabalho de preparação de aulas. Esperará o leitor e esperava eu que os próprios Presidentes dos Conselhos Executivos explicassem, indignados, à Srª Ministra que, por exemplo, um Professor de Português com cinco turmas, terá, numa semana típica, quarenta ou sessenta composições para ver, ou quarenta ou sessenta trabalhos de outro estilo, ou ainda quarenta ou sessenta testes para ver. Esperará o leitor, também, que os Presidente Executivos, ciosos defensores dos seus docentes, gritassem apopléticos que, para além disto, o dito Professor ainda teria as aulas para preparar. Nestas condições as treze horas de componente não lectiva não seriam demais para este trabalho. Seria razoável pensar que a Srª Ministra dissesse qualquer coisa como: "e quem vos garante que os professores são assim tão cumpridores?". Nessa altura, rasgando as suas vestes, os Presidentes dos Conselhos Executivos diriam, ultrajados: "tem V.Exª SrªMinistra um instrumento chamado Avaliação de Desempenho que poderá regulamentar como quiser e, com ele, poder-se-á verificar quem é bom profissional ou não e premiar quem o é e penalizar quem o não é". Orgulhosos do dever cumprido, regressariam os Presidentes dos Conselhos Executivos às suas escolas. Pois é, mas não foi isso que aconteceu. Imagine o leitor que os Presidentes voltaram, aplicaram, o que deveria ser um exemplo, como regra e, alguns, mais papistas que o Papa, queriam já obrigar os Professores a corrigir os testes e a preparar as aulas na própria Escola. Os Sindicatos timidamente informaram o óbvio: o que está na Internet não vale como lei e mais não disseram. Os Professores ficaram quietos e calados e... foram para férias...e a Srª Ministra sorriu. Lançou um balão de ensaio e... as forças vivas daNação fizeram o resto. A própria estratégia de lançar um documento com exemplos que lhe permitiria recuar se a contestação fosse forte, não foi necessária usar. Agora, tranquilamente emitirá uma portaria e tudo ficará bem.Neste documento é também dito que as acumulaçoes só serão autorizadas até um limite máximo de seis horas. Perguntará o leitor:"porquê seis horas?" Ora bem a portaria que ainda está em vigor que regulamenta estas coisas permite uma acumulação até seis horas para o ensino superior e de dez para o não superior (Portaria nº 652/99). Ou a Srª Ministra não teve tempo de ver a alínea do não superior ou achou que o anterior legislador era burro e que ensino superior ou não superior é tudo a mesma coisa. Esperaria o leitor que as Escolas que contrataram professores, em regime de acumulação, já para o próximo ano lectivo se juntassem num coro de protestos contra esta disrupção do seu trabalho e que as associações representativasdo sector lavrassem protestos indignados. Seria razoável pensar que a SrªMinistra dissesse que, a acumulação privado-público, para além dedeterminado limite lesaria o desempenho dos docentes. Esperaria então oleitor que as forças vivas que eu invoquei, em uníssono e indignadasdissessem qualquer coisa como: "Srª Ministra, nos países com um desenvolvimento que nós não sonhamos, como por exemplo os Estados Unidos daAmérica, estão-se borrifando para quem faz o quê e como, fora do seu horáriode trabalho, desde que cumpram diligentemente os seus deveres laborais e que, para isso, têm uma real avaliação de desempenho, não podemos portanto pagar por uma incapacidade atávica da Administração Pública de avaliar quem quer que seja, para além disso, um professor, se lhe der na bolha ir trabalhar para um bar, noite fora, pago a recibo verde, pode-o fazer, se for para fazer trabalho docente já não o pode e ­ diriam as ditas forças de dedo em riste "­ se a Srª Ministra quer dedicação exclusiva pague-a como já oEstado paga aos médicos". Poderiam, nesta altura, as forças vivas dizer cinicamente: "...já que não pagou aos professores que corrigiram as provas nacionais do básico".Pois é...mas não foi isso que aconteceu. As Escolas calaram-se e, a ser verdade o que apareceu no jornal "O Público" de 28 de Julho o SecretárioGeral da AEEP (Associação dos Estabelecimentos do Ensino Particular) declarou que este novo regime de acumulação não afectaria o ensino particular porque, dos 50 000 docentes deste regime, só (?) 3000 estariam em regime de acumulação. Os sindicatos congratularam-se com a medida porque esta iria criar mais emprego(?)...e...mais uma vez...a Srª Ministra sorriu.
João Rangel de Lima

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