Inquietações Pedagógicas

"Não sei, meus filhos, que mundo será o vosso…"  Jorge de Sena in Metamorfoses

5.7.05
 
Temos o que merecemos?
Fim de ano lectivo, tempo de balanço… E nem sequer será preciso fazer grandes esforços de análise para perceber que há questões que exigem um pouco mais da nossa atenção. “De boas intenções está o inferno cheio!” é o que mais me tem ocorrido ultimamente, perante algumas situações da vida escolar com que me tenho deparado. A mais recente está relacionada com a chamada área de Estudo Acompanhado.

Já todos sabemos que os alunos têm no seu horário um espaço em que usufruem do apoio de professores para, em termos sintéticos, aprenderem a estudar, estudando. Até aqui nada haveria a estranhar, tanto mais que era comummente aceite que um dos problemas geradores de insucesso era o facto de os alunos não saberem estudar. Poder-se-ia talvez objectar a obrigatoriedade de frequência destas sessões por todos, mesmo aqueles que nitidamente não necessitam delas e que, além disso, ainda têm de o fazer por sucessivos anos ao longo do seu percurso escolar. De qualquer modo, tudo parecia correr bem, tendo-se até tornado uma medida que acolhia a simpatia de pais, alunos e professores.

O que os criadores deste espaço curricular provavelmente não previam é que a prestação dos alunos também aqui viesse a ser avaliada como o é nas outras áreas ou disciplinas. Parecer-nos-ia lógico que os progressos desta se revelariam nos melhores resultados das restantes. Eis senão quando, numa qualquer ânsia de eficácia (ou de rigor?!), surge nas escolas nova directiva, logo no início deste ano lectivo, desta vez obrigando à atribuição de uma menção qualitativa neste domínio! Estranhamente, mais uma vez não há registo de grande contestação: será que os professores já se habituaram a receber as instruções mais díspares que se possa imaginar? Será que se cansaram de tentar fazer-se ouvir? Ou tão-só esgotaram toda a energia disponível no preenchimento de quilos de papel que mais não fazem que embotar o discernimento?

Ora, se bem o disseram, melhor o fizeram! O que se esperaria, então, que significasse um “Não Satisfaz” na área de Estudo Acompanhado? Seríamos naturalmente levados a pensar que o aluno em questão ainda não estaria de posse das necessárias competências de estudo e que esta condição certamente que transportaria sérias repercussões para seu aproveitamento, em geral. Pois não é o que acontece. Numa ocasional revisão de pautas, tive a oportunidade de verificar, com alguma perplexidade, que não só havia crianças que tinham transitado com “positiva” à maioria das disciplinas, apesar do “não satisfaz” do Estudo Acompanhado, como chegaram até a atingir níveis superiores em algumas delas.

Felizmente que houve o bom senso de contraditar a medida pseudo moralizadora da atribuição de uma nota com a sua total irrelevância para efeitos de transição de ano, o que faz com que ela tenha um mero efeito (in)estético no conjunto das avaliações de um aluno. Por outras palavras, emitiu-se uma norma para “inglês ver” (leia-se, tudo será rigorosamente avaliado), para seguidamente anular os seus efeitos através de um mecanismo menos transparente em termos de opinião pública (leia-se, não tem qualquer efeito sobre a passagem ou retenção do aluno).

O verdadeiro significado da nota atribuída, não cheguei a saber qual era. O que é legítimo deduzir é que há várias formas de contestar as regras arbitrariamente impostas e nem sempre compreendidas e que elas acabam por ter um tratamento correspondente à consideração que merecem.



Maria Ribeiro


Publicado no jornal A Capital a 3 de Julho

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