Inquietações Pedagógicas

"Não sei, meus filhos, que mundo será o vosso…"  Jorge de Sena in Metamorfoses

27.9.05
 
EDUCAÇÃO E AUTARQUIAS*
Dia 9 de Outubro vamos todos ser chamados a votar nos órgãos autárquicos. Porque temos algumas “inquietações” com o que no nosso concelho se passa com a educação e com as dificuldades e desafios que se põem às autarquias, pareceu oportuno dar conta de alguns estudos e reflexões.


ONDE FICA A ESCOLA?


As Autarquias, o 1º ciclo e a carta educativa

Acontece andar por este país fora e encontrar, no meio do nada, uma pequena escola aqui e uma outra ali com arquitectura bem característica mas, na maior parte das vezes, com um ar de coisa abandonada.

Nas últimas décadas o menor número de nascimentos traduziu-se numa forte diminuição da população escolar do 1º ciclo. Por exemplo, no período entre 1980 e 1996, verificou-se uma quebra no número de alunos da ordem dos 43%. Isto é, 383.000 crianças a menos.

Este é, sem dúvida, um dos factores que pode explicar a existência de escolas vazias. Mas não é o único. As alterações demográficas existem, as transformações económicas e sociais estão sempre a ocorrer. Só que hoje é já possível lançar mão de instrumentos que permitam estudá-las, prevê-las e, conjugando com outros factores, estabelecer um prognóstico que, dentro de determinados limites, seja capaz de identificar a necessidade e definir o ordenamento territorial de escolas e de outros recursos educativos.

Este instrumento a que chamamos carta educativa (ou escolar) aparece assim aos olhos de qualquer leigo, desde que bem intencionado, como um elemento essencial a que recorrer antes de se decidir construir aqui ou ali uma escola.

Em Portugal, só nos anos oitenta se começam a desenvolver os primeiros estudos sobre oferta escolar com a definição dos critérios a que deveria obedecer o desenvolvimento da rede escolar e se começa a reconhecer a responsabilidade que cada concelho deve ter relativamente à sua carta educativa. Daí que possamos compreender e desculpar a construção das tais pequenas escolas agora vazias, já que construídas há muito tempo. No entanto, temos mais dificuldade em aceitar que continuem a existir concelhos em que a organização da oferta educativa em termos presentes ou em termos prospectivos não obedeça a critérios resultantes da elaboração da carta educativa. Continuam a fazer-se escolas de dimensões e em locais improváveis obedecendo a critérios pouco claros ou mesmo desconhecidos.

Passados mais de vinte anos de ter sido reconhecida a urgência e necessidade de fazer o planeamento e o reordenamento territorial dos recursos educativos em cada concelho, tendo presentes os princípios e as normas orientadoras da política educativa, o panorama ainda está longe do aceitável. Se não vejamos qual a situação em Março deste ano, em Portugal Continental:

Concluídas
24 (8,6%)
Em fase de conclusão
31 (11,2%)
Em elaboração
187 (67,3%)
Em reformulação
7 (2,5%)
Não iniciadas
29 (10,4%)

A percentagem 8,6 de concelhos com carta educativa é triste! Em 278 concelhos só 24 têm carta actualizada.

Não se pode dizer que este panorama se deve à ausência de legislação. Desde a Lei de Bases o Sistema Educativo (1986) em que se consagra já como princípios organizativos do sistema a descentralização das estruturas e das acções educativas, passando por documentos mais específicos (1) tornou-se cada vez mais clara a responsabilidade dos municípios no campo da oferta educativa. Cabe-lhes, nomeadamente:
Construir, apetrechar e manter os estabelecimentos da educação pré-escolar;
Construir, apetrechar e manter as escolas do ensino básico (1º ciclo);
Elaborar a carta educativa a integrar nos planos directores municipais (2)

Uma outra questão relativa às escolas do 1º ciclo prende-se com o facto de o planeamento e a construção dos restantes ciclos do ensino básico (2º e 3ºciclos) serem da competência da administração central. Como se constata estão divididas as competências entre administração central e autarquias relativas ao o 1º,2º e 3º ciclos, apesar destes três ciclos constituírem, no seu todo, o ensino básico.

Respeitar os princípios da sequencialidade, estabilidade e continuidade no processo de aprendizagem das crianças, exigiria que as escolas que estivéssemos agora a construir se destinassem aos três ciclos do ensino básico. Há muito que assim acontece em bons colégios, pondo por terra, completamente, os argumentos caducos que são utilizados contra essa orientação.

Por cá esta prática é rara. Ter que repartir “louros” pela construção da mesma escola não se tem afigurado uma estratégia produtiva.

Claro que para que se passasse a apostar na construção de escolas do ensino básico pensando nos seus “ utentes” (que palavra feia!) seria necessário uma diferente partilha de responsabilidades entre os dois níveis da administração.

Assim, para além da resistência de alguns municípios à elaboração de um instrumento de planificação que eventualmente lhes pode limitar a decisão pessoal sobre a escolha de um terreno, parece não ser tarefa fácil a construção de uma escola do ensino básico com os três ciclos.

E assim a carta educativa se vai escrevendo devagar e com linhas tortas…. Onde fica a paragem da camioneta para a escola?

Berta Macedo

(1) Referimo-nos ao imenso esforço legislativo feito neste campo entre 1999e 2005, nomeadamente o Dec.Lei nº 115/98 de 4 de Maio, a Lei nº159/99 de 14 de Setembro e mais tarde o Dec-Lei nº7/03 de 15 de Janeiro cuja 1ªversão ficou pronta no governo anterior.
(2) Podem existir casos justificados pela dimensão dos concelhos em que a carta deverá ser supra municipal.


* Publicado no JL Educação - Setembro 2005

Comments: Enviar um comentário

<< Home