Inquietações Pedagógicas

"Não sei, meus filhos, que mundo será o vosso…"  Jorge de Sena in Metamorfoses

16.9.05
 
A escola acode ? Ou sacode ?
Vou contar um problema real (embora sem identificação dos protagonistas individuais e institucionais) com uma dupla esperança :

1. de resolver rapidamente o caso concreto;

2. de alertar quem de direito para a necessidade de ver a situação de acolhimento escolar aos imigrantes e de a rever mais tarde quando ultrapassam a idade da escolaridade obrigatória sem a terminarem.

Então é assim : A Sra. X partiu de Cabo Verde há 16 anos deixando um filho bébé aos cuidados da mãe. Em Lisboa, como empregada doméstica, conseguiu organizar a sua vida e mesmo contrair um empréstimo que lhe permitiu comprar uma pequena casa nos arredores de Lisboa e, ao fim de 10 anos, mandar vir o filho.

Qundo este chegou, trazia o diploma da 4ª classe de Cabo Verde , tinha 11 anos e estava aterrorizado. Não conhecia ninguém (nem a Mãe!), não percebia o que as pessoas diziam (estava habituado ao crioulo) e ficou meses sem falar nem quase levantar os olhos. Quando a mãe o foi inscrever na escola do 2º ciclo, disseram-lhe que não vslia a pena ir para o 2º ciclo porque vinha de África, estava muito atrasado, não percebia o Português e não ia aprender nada. Mandaram-na para escola do 1º ciclo. Mto. bem. Assim fez. Mas na escola do 1º ciclo como ele não falava, punha os olhos no chão e ninguém lhe arrancava nada, puseram-no na 2ª classe "para ver se ele perdia a vergonha". E lá perdeu. Fez toda a escolaridade normalmente a partir daí sem nunca chumbar, sendo um rapazinho atilado que gosta muito de desporto (joga baskett num clube do bairro) e com muito jeito para desenho. Gostava de ser professor de Educação Visual !

Só que este ano terminou o 6º ano e passou para o 3º ciclo. Mas quando agora se foi inscrever a escola informou-o que, como já está fora da idade da escolaridade obrigatória (tem 16 anos),
terá que mudar de escola e ir para a noite !

A noite significa perigo físico real (sair à meia-noite nos subúrbios de Lisboa não é coisa que desejássemos para os nossos filhos) e, sobretudo, aos 16 anos ficar todo o dia sozinho sem nada para fazer e não é recomendável - por muito atilado que se seja.

E se : a) Portugal quer elevar a escolaridade da sua população;
b) As escolas estão a perder alunos;
c) Todos queremos integrar os imigrantes e estamos preocupados com a sua 2ª geração;
Rejeitar quem quer continuar a estudar e a portar-se bem faz algum sentido ?
A escola acode ou sacode ?

Entretanto, enquanto escrevia este blog, o problema individual resolveu-se. Mas o problema do acolhimento dos imigrantes (sobretudo de África) pode continuar a existir. O problema de atender a uma criança temporariamente com problemas de integração pode continuar a existir. E o problema de as escolas burocraticamente rejeitarem um aluno porque já não está na idade da escolaridade obrigatória (mesmo que a responsabilidade disso seja da escola que primeiro o rejeitou à chegada) esse continua a existir de certeza.
Isto faz algum sentido ? A escola sacode ou acode ?

Maria Emília Brederode Santos

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