Inquietações Pedagógicas

"Não sei, meus filhos, que mundo será o vosso…"  Jorge de Sena in Metamorfoses

29.9.05
 
QUE PRE-REQUISITOS PARA A AUTONOMIA?
A aprendizagem para a autonomia é difícil e exigente, seja na educação das crianças e dos jovens, seja na administração e é, talvez, essa dificuldade que se tem menosprezado e que nunca se cuidou devidamente!

As transferências para as autarquias em educação têm sido feitas a partir de um sistema educativo deficientemente regulamentado (em excesso no pormenor, insuficiente no essencial) e sem o acompanhamento de processos de controlo e monitorização.

A legislação da educação é confusa, incoerente, dispersa (gordurosa e cheia de aderências como alguém lhe chamou) podendo promover as interpretações “desejáveis”, mas também permitindo as dolosas e as egoístas. Veja-se, a título de exemplo, a diversidade de interpretações quanto se fala da disponibilidade de salas de aula para uma escola do 1º ciclo passar a regime de horário normal ou quando se referem as frequências mínimas ou máximas para criar ou extinguir um jardim de infância ou uma escola do 1º ciclo.

O caso inglês é paradigmático para a evolução da descentralização do sistema educativo na Europa. Enquanto a maior parte dos países se debatiam com a excessiva centralização e iniciavam o percurso da descentralização, em Inglaterra o processo estava a ser exactamente o inverso. Governos conservadores tomaram medidas para um maior controlo e uniformização do sistema educativo e até favoreceram a possibilidade das escolas se libertarem da tutela financeira das autoridades locais e se ligarem directamente à administração central. Passado o governo de conservador a trabalhista nem tudo se alterou e muito do percurso feito para a centralização prosseguiu, em especial no que se refere à obrigatoriedade de um curriculum nacional e à manutenção de um sistema de controlo sobre as escolas e, consequentemente, sobre a intervenção educativa das autarquias. Autonomia sim, mas os alunos submetem-se insistentemente a testes de aferição nacionais, as escolas são regularmente avaliadas e os seus orçamentos controlados numa perspectiva clara de análise de eficiência.

Mas a avaliação das escolas e dos testes aos alunos não são “cegos e surdos” e não se esquecem das condicionantes da envolvente social o que justifica a promoção, a nível nacional, de estratégias para as ultrapassar.

E porque nenhum sistema é perfeito nem se devem menosprezar os seus erros e as tradições dos países em que se inserem, de formas diferentes e com percursos diversos outros países foram aprendendo a gerir a autonomia das suas escolas e as competências que as autarquias regionais e locais têm na sua administração e, consequentemente, nos seus resultados.

Porque dizer que se gastou uma fortuna na educação dos filhos dos munícipes não chega nem serve. Gastou-se bem? Ficou-me no acessório e no folclórico e esqueceu-se o essencial? Que resultados houve para os alunos e as escolas? Que relação entre os resultados obtidos e os recursos envolvidos? Afinal, que progresso para a qualidade da educação em Portugal?

No momento de decidir e de escolher os nossos autarcas temos de poder responder a estas interrogações e, para isso, se não houver dados credíveis dos resultados dos alunos e das escolas, abrimos porta às ideias vagas e à demagogia.

Claro que há requisitos e não se pretende por em causa que quem está mais próximo dos alunos e dos pais tem melhores condições e mais razões para administrar melhor as escolas. Mas os parâmetros em que se inscreve a sua acção têm de estar claros e definidos e tem de haver instrumentos (com resultados comparáveis a nível local e nacional) para avaliar o que foi feito e exigir a prestação de provas.

É isso que tem faltado e aí a grande responsabilidade tem sido, sobretudo, da administração central. Relativamente às competências de educação transferidas, não se pode exigir o que não se deu, nem se podem fazer juízos de valor se não se tiver assegurado, com regularidade e com instrumentos credíveis e de âmbito nacional, o controlo e a monitorização dos resultados da acção educativa das autarquias e divulgado, amplamente, o que se tiver apurado.

Maria José Rau


Publicado no JL Educação - Setembro 2005

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Saúdo pela pequena janela que se abriu ao debate. Parabéns.
 
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