Inquietações Pedagógicas

"Não sei, meus filhos, que mundo será o vosso…"  Jorge de Sena in Metamorfoses

28.9.05
 
A RELAÇÃO ENTRE AUTARQUIAS E ESCOLAS
A RELAÇÃO ENTRE AUTARQUIAS E ESCOLAS[1]
Alguns aspectos actuais

Numa tentativa de melhor compreender hoje a relação entre autarquias e escolas iremos abordar apenas algumas conclusões do estudo referido na nota 1, relativas aos questionários[2] dirigidos aos agrupamentos e às escolas não agrupadas.

Antes, porém, importa referir que algumas medidas de política educativa tomadas nos últimos 10 anos, nomeadamente o Regime de Autonomia, Administração e Gestão das Escolas[3], criaram um novo quadro de referência na intervenção autárquica: às tradicionais tarefas de execução da logística educativa centradas na manutenção da rede do 1º ciclo e na promoção modesta da educação pré-escolar, juntaram-se importantes domínios de intervenção, por força da sua participação nas assembleias de agrupamentos e escolas e das competências em matéria de orientação, planeamento educativo e contratualização da autonomia. Pelo menos do ponto de vista normativo, as autarquias passaram a ser co-responsabilizadas pelo (in)sucesso da autonomia relativa das escolas, da territorialização educativa, da subsidiariedade administrativa, da regulação dos apoios sócio-educativos e da eficácia escolar. Demasiada responsabilidade para quem sempre se lamentava de não ter os recursos financeiros e humanos necessários? Talvez não, porque em matéria educativa a capacidade de resposta autárquica é bem representativa dos modelos de desenvolvimento desigual mas combinado que ainda caracterizam as sociedades e as economias ocidentais.

Mais de 50% dos agrupamentos avaliou de modo positivo a participação das autarquias no processo da sua criação, no tipo de intervenção e grau de influência, bem como nos resultados obtidos. Nessa avaliação, eram sempre enfatizadas as vantagens organizacionais obtidas, sobretudo ao nível das escolas do 1º ciclo e JI’s. No entanto, 25% dos agrupamentos considerou como passiva, e 21% como não influente, a intervenção das autarquias no processo. Ou seja, o processo não foi assumido com o mesmo grau de pertinência por todas as autarquias, o que teve consequências bem diversas na qualidade de relação que estabeleceram com as escolas.

Apenas um quarto dos agrupamentos referiu que o representante autárquico nas assembleias não foi sempre a mesma pessoa e nem sempre era alguém qualificado para essas funções. Embora todas as autarquias se tivessem feito representar naquele órgão, 40% dos agrupamentos consideraram a representação irregular ou faltosa, 18% passiva e 11% ineficaz. Quer isto dizer que o envolvimento camarário na criação e funcionamento dos agrupamentos ficou dependente do tipo de representantes que escolheram. Aliás, num número significativo de casos, quer em agrupamentos, quer em escolas não agrupadas, os representantes eram pessoas oriundas dos órgãos de freguesia ou de serviços camarários, que nada tinham a ver com a educação, o que dificultou a criação de relações de trabalho colaborativo e coordenado entre instituições, verificando-se que, com os primeiros, a relação era mais formal, burocrática e controladora, enquanto que com as segundas era mais informal (desresponsabilizada) e distante nas questões pedagógicas internas, mas mais interveniente nas questões relacionadas com o “ambiente social” exterior à escola.

De uma forma geral, o representante das autarquias nas assembleias estava limitado pela rigidez das posições institucionais e pela separação de poderes, não assumindo o papel de “par entre pares” que caberia a qualquer um dos membros desse órgão. Não tomava posição sobre matérias que entendia “não lhe pertencerem” tais como o rendimento escolar dos alunos ou o cumprimento da escolaridade básica.

A avaliação dos procedimentos da acção educativa global das autarquias era negativa: denunciava a inexistência de projectos educativos municipais, a falta de liderança camarária relativamente a aspectos significativos do ambiente educativo local (insucesso escolar elevado no ensino básico, índices elevados de fuga à escolaridade obrigatória ou de trabalho infantil, etc.), a não representação democrática nos Conselhos Municipais de Educação ou a não participação na elaboração das Cartas Educativas Municipais. No entanto, escolas e agrupamentos reconheciam que elas tinham apoiado os seus projectos educativos e que se tinham manifestado sobre o estado de conservação das instalações ou sobre a necessidade de construção de determinados equipamentos. Em suma, poder-se-á dizer que a relação entre autarquias e escolas, tradicionalmente encarada por ambas as partes como relação burocrática, defensiva e desconfiada, ganhou características que apontam no sentido da progressiva colaboração e apoio mútuos, o que deixa adivinhar, nalguns casos, uma nova forma de relacionamento inter-institucional.

Gracinda Nave e Jorge Martins

[1] Este texto tem por base algumas das conclusões do “Estudo sobre a capacidade de resposta educativa autárquica, no contexto de mudança e desenvolvimento da sociedade portuguesa” realizado pelos autores e que contou com financiamento da Fundação Calouste Gulbenkian. O estudo abarcou 26 municípios da Região do Norte e, em cada um deles, todos os estabelecimentos de educação existentes no ano lectivo de 2001/02.
[2] O nº de questionários enviados/respondidos aos agrupamentos foi 99/97 e às escolas não agrupadas 97/94, tendo como objectivo explícito a análise da relação entre as autarquias e as escolas.
[3] Decreto-Lei nº 115-A/98, de 4 de Maio.



Publicado no JL Educação - Setembro 2005

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