Inquietações Pedagógicas

"Não sei, meus filhos, que mundo será o vosso…"  Jorge de Sena in Metamorfoses

29.11.05
 
Autonomia das escolas: um projecto indefinidamente adiado?*
Em Portugal, a administração da educação tem-se concretizado no quadro de um sistema centralizado e hiper-regulamentado. Enquanto serviços periféricos do Estado, as escolas Portuguesas nunca possuíram verdadeiramente direcção própria, sendo dirigidas pelos serviços centrais, através de despachos, circulares e legislação similar. Mesmo após a transição democrática, o conceito de comunidade escolar manteve-se circunscrito aos elementos sujeitos ao poder disciplinador do Estado: professores, funcionários, alunos. Esta tradição começou a ser quebrada em meados da década de 80, quando o Estado começou a defender a participação da sociedade civil na resolução dos problemas educativos e a introduzir alguns mecanismos de microregulação das escolas. Apesar da mudança discursiva, a “reforma educativa “ apenas se traduziu numa tímida desconcentração de serviços, como se pode comprovar pelo carácter minimalista das competências atribuídas às direcções regionais de educação (1987) e às escolas preparatórias e secundárias (1989).
Mais recentemente a publicação do dec-lei nº115-A/ 98 parecia vir trazer um novo fôlego à questão da “autonomia das escolas”. No entanto, decorrida quase uma década sobre a publicação da referida legislação, praticamente tudo o que é essencial continua por resolver:
- a natureza das competências a contratualizar com as escolas
- a contradição entre o modelo de direcção e gestão centrado em projectos e equipas organizacionais e o sistema de colocação de professores (nacional , regional)
- a diversidade das lógicas que estão presentes no acesso às funções de gestão escolar (legitimidade democrática , legitimidade profissional e saber de “experiência feito”)
- a incoerência entre os padrões de mobilidade docente existentes em Portugal e o
desígnio de gestão estratégica e participadas das organizações
- a ausência de processos de regulação da educação que assegurem a equidade num quadro de diversidade organizacional.
Apesar destas indefinições, as escolas cumpriram ordeiramente as tarefas que lhe foram cometidas: elaboraram regulamentos e projectos educativos, organizaram actos eleitorais; atravessaram sucessivos desafios identitários (foram “escolas dos trezentos”, , associações de escolas, agrupamentos). Com tanta agitação poucas instituições tiveram tempo de se aperceber que autonomia significa capacidade de produzir norma própria.
Nada disto seria preocupante se a transição para a sociedade do conhecimento pudesse efectivar-se sem mudança de paradigma gestionário. Não me parece, no entanto, que exista “choque tecnológico” capaz de fazer florescer uma cultura de aprendizagem, responsabilidade e cidadania activa no quadro de um “Estado educador”. Não creio , igualmente , que uma sociedade democrática se possa construir tendo como base uma concepção profundamente instrumental e retórica da autonomia das escolas.

Mariana Dias

* Publicado no Jornal de Letras - Educação de 23 de Novembro de 2005

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