Inquietações Pedagógicas

"Não sei, meus filhos, que mundo será o vosso…"  Jorge de Sena in Metamorfoses

7.11.05
 
A escola a tempo inteiro: as perspectivas de um grupo de professores do 1º ciclo (4)*
Um pequeno grupo de professores do 1º ciclo, inquirido sobre o que pensa da perspectiva da “escola a tempo inteiro” preconizada no programa do actual governo e iniciada este ano lectivo, revela-se bastante dividido quanto a esta matéria:

N=13
Favor 5
Contra 4
Indefinido 3
Céptico 1

Sendo-lhes pedido que clarificassem o seu posicionamento, dividem-se, apresentando os seguintes argumentos:
1. Possibilidades
Reconhecendo com clareza que se trata de “uma necessidade social das famílias”, podendo “reduzir os custos” das despesas com os filhos, consideram que, por um lado, esta medida permite o “acompanhamento e preenchimento útil do tempo das crianças mais carenciadas”, ou acompanhar alunos “com dificuldades específicas”, permitindo o “desenvolvimento de projectos com as crianças” e, mesmo, promovendo “hábitos de estudo nos alunos”. Por outro lado consideram que estas actividades podem proporcionar “um verdadeiro enriquecimento curricular”, por exemplo, dedicando “mais horas de trabalho às expressões artísticas”. Insistem, no entanto, que é importante que as actividades “os cativem” e que não tenham “estrutura demasiado formal”. Indicam ainda que a permanência de tempo extra dos professores nas escolas lhes permitirá um melhor “atendimento dos encarregados de educação”.

2. Dificuldades/Riscos

Alertam, no entanto, para dificuldades e riscos que se prendem com factores de ordem estrutural e organizativa. Alertam para a “ausência de espaços e de recursos”, que podem colocar em risco uma intenção generosa, correndo o risco de transformar as escolas em “armazéns de meninos” e estes, compelidos a passar “demasiado tempo” na escola, podem mesmo “ficar saturados” dela. O facto de se sugerir “trabalhar as expressões fora do horário lectivo”, apresenta o risco de “uma incidência nas áreas de cunho académico”. Alertam para o risco de se perder a monodocência e a dinâmica de “obrigatoriedade” poder desmotivar os professores.

3. Implementação da “escola a tempo inteiro”

Inquiridos sobre como implementar uma “escola a tempo inteiro”, afirmam que se devia separar o horário dos professores do horário de permanência dos alunos. Isto é, que devia recorrer-se a outros profissionais (animadores sócio-educacionais ou professores desempregados), não confundindo o tempo lectivo, com o tempo de complemento de horário.
O grupo inquirido considera que o ponto de partida para a sua organização deverá incidir no “levantamento das necessidades da população escolar” e, a partir daí, oferecer uma diversidade de actividades. Estas actividades poderiam ser o “apoio tutorizado a crianças com necessidades educativas especiais” ou “com dificuldades” e uma animação de tempos livres que se demarque claramente do tempo lectivo. Assim, sugerem a criação de “clubes” conforme os interesses das crianças: elaboração do jornal da escola; hora do conto com convite a escritores; descoberta de culturas e/ou línguas diferentes, com criação de dicionário de línguas ou de usos e costumes; clube de filosofia para crianças; criação de um grupo de teatro ou de uma oficina de informática; criação de uma ludoteca ou de uma oficina de culinária ou, então, actividades físicas como capoeira, natação, yoga, etc.
Consideram ainda que é importante ter em atenção a qualidade dos espaços físicos destinados a estas actividades.
Os professores apontam também para que, sempre que possível, se deve incentivar a participação das famílias, criando ateliers para pais, de modo a fomentar experiências diversas com os filhos, projectos, etc. Os professores, por seu lado, deverão ocupar o seu tempo na organização destas propostas, na organização de reuniões entre si e com os pais… e em visitas às famílias sempre que os pais não venham à escola.

Estes depoimentos mostram que, apesar de, numa primeira análise, se mostrarem divididos, os professores inquiridos apresentam sugestões e propostas interessantes. De sublinhar a sua disponibilidade em ter um papel activo na organização das actividades de complemento de horário e em estratégias de envolvimento das famílias e o seu desejo de poder investir mais nas crianças com dificuldades escolares.

Teresa Vasconcelos
Professora Coordenadora da Escola Superior de Educação de Lisboa

* Publicado no Jornal de Letras - Educação a 27 de Outubro de 2005

Comments:
O que é importante é o professor não dar só aulas. O importante é o professor perceber que está numa comunidade e que tem um papel a desempenhar fora do tempo lectivo, fora da sala de aula.
O grave é que não nos pagam para isto e a Srª Ministra da Educação é perita nestas "poupanças"-veja-se a argumentação utilizada para não pagar aos professores que corrigiram as provas nacionas do básico.
E o mais grave é os professores mesmo assim baixarem a garupa e...obedecerem
 
N=13
Favor 5
Contra 4
Indefinido 3
Céptico 1
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O eterno falso dilema entre o pos-modernismo e a vontade de pouco fazer...
 
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