Inquietações Pedagógicas
"Não sei, meus filhos, que mundo será o vosso…" Jorge de Sena in Metamorfoses
4.11.05
A escola a tempo inteiro: um novo mandato do professor*
O despacho de orientações sobre o ano lectivo tem suscitado um clima de crispação no seio da classe docente que é compreensível, mas que resulta também de uma perspectiva focada nas condições laborais sedimentadas ao longo de décadas. E estas baseiam-se em concepções da vida escolar hoje completamente desfasadas das transformações da sociedade, dos modelos de funcionamento das organizações sociais e das exigências relativamente à escola.
O desempenho da escola
A acção do sistema educativo no nosso país manifesta pesadas lacunas no seu desempenho: a pobreza do nível de habilitações genericamente evidenciadas pela população, os índices de frequência e de abandono escolar, os resultados obtidos em estudos comparados de observatórios internacionais, os fracos níveis de literacia indiciados, quer pela utilização dos media, quer pelas actividades de lazer predominantemente escolhidas pela população, quer pelos hábitos de participação cívica...
E se não podemos imputar à escola a exclusiva responsabilidade perante estes problemas, é impossível ignorar que o seu funcionamento envolve diversos factores que podem intervir muito positivamente na vida das crianças e dos jovens que a frequentam. Desde logo, porque nas sociedades desenvolvidas, e dada a generalização da escolaridade obrigatória, a escola é, em princípio, a única instituição pela qual todos passarão. E não sendo a frequência, como sabemos, um factor seguro de igualização, a escola é certamente um espaço decisivo para a construção pessoal e um lugar de cruzamento e de “regulação” de oportunidades. Usando uma expressão oportuna de E. Lemos Pires, ao obrigar, o Estado obriga-se...Isto é, a escola para todos é um imperativo da qualidade e da diversidade de resposta às necessidades da sociedade, dos grupos sociais, das situações conjunturais.
Ora estas exigências envolvem uma complexidade de acções por parte dos profissionais do sistema escolar. Desde os anos 70, aponta -se para o alargamento das funções do professor e gradualmente foram-se desenhando os contornos de um novo mandato profissional, em que se aprofundam e se amplificam os campos de acção do professor. Reconhece-se o seu papel na gestão do currículo, diversificam-se as formas de actuação com os alunos, é reforçada a importância das equipas educativas como estratégia da organização pedagógica, abrem-se novas fórmulas de intervenção na comunidade.
A escola, um de ambiente de aprendizagem
É neste sentido que se verifica uma das mais significativas mudanças de perspectiva quanto à gestão do tempo da escola, associada à gestão do seu espaço material e social. A unidade da aula, baseada na conjugação espaço-tempo-turma-professor-conteúdo não constitui a referência exclusiva para a organização escolar. Outras combinatórias poderão favorecer experiências de aprendizagem significativa para os alunos, e mais consentâneas com a cultura contemporânea e com a variedade de recursos disponíveis.
Sabemos hoje como é relevante a construção de ambientes educativos favoráveis ao desenvolvimento das aprendizagens, à socialização dos jovens, ao desenvolvimento profissional e pessoal dos próprios professores. Sabemos também que a concepção e a construção desse enquadramento assenta em condições de autonomia, em modos de funcionamento participado e na definição de um projecto próprio que corresponda às características reais das populações. A gestão dos recursos humanos e materiais (entre os quais se contam o tempo e o/s espaço/s) será determinada pelos desígnios do projecto a construir.
Há situações em si mesmas pouco favoráveis. Sabemos que em Portugal os edifícios escolares nunca foram concebidos para o trabalho diferenciado, com espaços de pequena e média área, quer para gabinetes a usar em trabalho de pequeno grupo de professores, quer para atendimento e tutoria de alunos... Nas escolas do 1º ciclo, (e apenas desde os anos 70, nos modelos P3) só há uma sala de professores e nas escolas de 2º e 3º ciclo existem dezenas de professores e certamente os espaços e o equipamento de trabalho (como por exemplo os computadores) estão longe de ser adequados às fórmulas de organização que se preconizam...
Poderá tirar-se partido de situações em que decresceu a população escolar, como as grandes secundárias das grandes cidades, mas... e nas escolas saturadas das áreas metropolitanas, onde existem afinal mais necessidades de atendimento diferenciado dos alunos, e de trabalho aprofundado dos professores em equipa?
Os testemunhos de algumas escolas ( que se apresentarão proximamente) documentam o desafio (como diz uma das professoras) para racionalizar recursos e consolidar práticas, aliás já desenvolvidas em muitas situações. Eles demonstram a importância de os órgãos de gestão assumirem o planeamento estratégico em função de finalidades educativas. Deixam também entrever a salvaguarda de um tempo a gerir individualmente pelos professores.
Eles evidenciam que a participação dos profissionais na concepção e na programação das actividades constitui uma mais –valia na qualidade do serviço e reverte afinal na melhoria do clima de escola.
Maria José Martins
Professora Adjunta da Escola Superior de Educação de Lisboa
*Publicado no Jornal de Letras - Educação a 27 de Outubro de 2005
Comments:
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Eles evidenciam que a participação dos profissionais na concepção e na programação das actividades constitui uma mais –valia na qualidade do serviço e reverte afinal na melhoria do clima de escola.
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Ou seja, deixamos de falar de um lugar de aprendizagem, ensino e transmissão de conhecimentos, para se falar de um armazem em que se procura a felicidade. Aliás penso que as ESEs são elas próprias um testemunho da nova escola. Tendo em atenção a quantidade de incompetentes que formam por ano (existe alguma desculpa porque a base de recrutamento deixa algo a desejar) e que conseguem colocar à força no ensino através de intrepertações corporativas da legislação, não será de admirar que o clima nas escolas qualquer dia atinja o climax.
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Ou seja, deixamos de falar de um lugar de aprendizagem, ensino e transmissão de conhecimentos, para se falar de um armazem em que se procura a felicidade. Aliás penso que as ESEs são elas próprias um testemunho da nova escola. Tendo em atenção a quantidade de incompetentes que formam por ano (existe alguma desculpa porque a base de recrutamento deixa algo a desejar) e que conseguem colocar à força no ensino através de intrepertações corporativas da legislação, não será de admirar que o clima nas escolas qualquer dia atinja o climax.
O que é importante é o professor não dar só aulas. O importante é o professor perceber que está numa comunidade e que tem um papel a desempenhar fora do tempo lectivo, fora da sala de aula.
O grave é que não nos pagam para isto e a Srª Ministra da Educação é perita nestas "poupanças"-veja-se a argumentação utilizada para não pagar aos professores que corrigiram as provas nacionas do básico.
E o mais grave é os professores mesmo assim baixarem a garupa e...obedecerem
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O grave é que não nos pagam para isto e a Srª Ministra da Educação é perita nestas "poupanças"-veja-se a argumentação utilizada para não pagar aos professores que corrigiram as provas nacionas do básico.
E o mais grave é os professores mesmo assim baixarem a garupa e...obedecerem
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