Inquietações Pedagógicas

"Não sei, meus filhos, que mundo será o vosso…"  Jorge de Sena in Metamorfoses

26.12.05
 
ACABAR COM A VIOLENCIA CONTRA AS CRIANÇAS – JÁ !
A violência esteve de novo em foco ao longo de 2005. E se eram jovens os incendiários dos subúrbios de Paris, jovens eram – são – também as principais vítimas de maus tratos em qualquer contexto: na rua, na escola, nos internatos e, sobretudo, em casa. O que a ONU, o Conselho da Europa e outras organizações internacionais pensam é que esses casos fatais de que se fala – e que em Portugal deram pelo nome de Joana, Vanessa ou Francisco – são apenas a “ponta do iceberg” duma cultura de violência que se exerce quotidianamente contra os mais fracos dos fracos.
Por isso, está na agenda internacional uma campanha intitulada “Act now! Stop violence against children”.

Partindo da constatação de que a violência contra crianças é uma realidade com consequências gravíssimas na vida e no desenvolvimento das crianças em todo o mundo mas também que é pouco visível, pouco conhecida e pouco estudada, a ONU iniciou um primeiro estudo mundial sobre a violência contra as crianças, cujos objectivos são :

. sensibilizar a comunidade internacional para todas as formas de violência contra crianças;
. compreender melhor as causas do problema e o seu impacto nas crianças e nas sociedades ;
. avaliar e melhorar as políticas e os mecanismos existentes para prevenir a violência contra as crianças e para lidar com ela quando não se consegue impedi-la;
. delinear um plano de acção internacional para acabar eficazmente com estes abusos.

Contribuindo para este estudo, o Centro de Investigação Innocenti da UNICEF preparou uma análise da investigação europeia sobre o tema que foi publicada com o título Violence against children in Europe – A preliminary review of research, Junho 2005.
Com base nas disposições da Convenção sobre os Direitos da Criança, o conceito de “violência” refere-se a todas as formas de violência física e mental, maus tratos, tratamento negligente, incluindo abuso sexual, “bullying” nas escolas e castigos corporais em todos os contextos.
Essa revisão da literatura científica existente nos vários países concluiu pela sua difícil comparabilidade, falta de dados inclusive estatísticos (geralmente revelando apenas os casos de violência extrema), uma visão excessivamente compartimentada e a falta de auscultação das próprias crianças.
Por seu lado, o Conselho da Europa lançou um Programa de Acção para o triénio 2005 a 2007, intitulado “Infância e Violência”, que visa apoiar os Estados membros a porem em prática os compromissos jurídicos internacionais assumidos, designadamente o desenvolvimento de políticas nacionais interdisciplinares de prevenção e estratégias de protecção da infância.
Este Programa de Acção assenta nos seguintes pressupostos e fundamentos:
- as crianças não são “mini-pessoas com mini-direitos”, isto é, as crianças não só devem ser objecto de cuidados e de uma protecção especial mas também devem ser reconhecidas como detentoras de direitos legais.
- “As crianças primeiro” significa reconhecer a sua vulnerabilidade e colocá-las no centro das políticas públicas, o que implica dar-lhes a oportunidade de serem ouvidas e tidas em conta como cidadãos activos e sujeitos de direitos.
- A violência é uma realidade multidimensional. O Programa de Acção abordará o conjunto das situações de violência (na escola, na família, nas instituições, na comunidade...) assim como os diferentes papéis desempenhados pelas crianças em cada situação (como vítimas, como responsáveis por actos de violência e como actores e parceiros na prevenção).
- A luta contra a violência em relação às crianças requer uma abordagem interdisciplinar e integrada de protecção dos direitos da criança, o que implica nomeadamente coordenação e cooperação entre instâncias públicas e privadas, nos domínios jurídicos, sociais, educativos e de saúde, bem como entre acções a nível internacional, nacional, regional e local.

Assim, pareceu interessante e útil reunir nesta Página das Inquietações Pedagógicas pontos de vista de representantes de várias instâncias “não escolares” que lidam com o problema (e que integraram, como eu, a delegação portuguesa à Conferência Internacional para o estudo da ONU - consulta regional Europa/Ásia Central) :
Teresa Morais, da Provedoria de Justiça, debruça-se sobre os problemas bem graves das crianças vítimas de tráfico e das crianças institucionalizadas, defendendo que o isolamento potencia a violação dos seus direitos e que os professores destas crianças estão num “posto privilegiado de observação”, podendo “aprender a ler os sinais do seu silêncio” e a contribuir significativamente para o seu desenvolvimento como cidadãos.
Catarina Albuquerque, do Gabinete de Direito Comparado do Ministério da Justiça, debate o fenómeno dos gangues.
Finalmente, Joaquina Cadete, directora do Programa para a Prevenção e Eliminação da Exploração do Trabalho Infantil (PETI) do Ministério do Trabalho e da Segurança Social, reflecte sobre as formas que pode tomar a violência psicológica na escola, designadamente os comportamentos discriminatórios e excluidores e defende o recurso a medidas de excepção para combater o insucesso e a desmotivação.
Trata-se de casos extremos estes, mas que existem e requerem ser prevenidos, enfrentados, tratados, combatidos. Por isso estes olhares exteriores à escola mas que vêem nela um parceiro privilegiado e no professor um colaborador precioso.

E se estes casos forem a tal ponta do iceberg duma cultura de violência, como pode a escola colaborar para "acabar com a violência contra as crianças"? Instituir na sua organização e no seu currículo uma cultura de não violência, uma gestão participada e uma disciplina construtiva são propostas a que voltaremos numa próxima oportunidade.

Maria Emília Brederode Santos
Conselho Nacional de Educação

Publicado no Jornal de Letras - Educação a 21 de Dezembro de 2005

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