Inquietações Pedagógicas

"Não sei, meus filhos, que mundo será o vosso…"  Jorge de Sena in Metamorfoses

28.12.05
 
Comunidades sem violência
Prevenir a exploração e o tráfico
O tráfico de pessoas atingiu uma dimensão assustadora. Calcula-se em 2.4 milhões o número de pessoas traficadas em todo o mundo para exploração do trabalho (32%), sexual (43%) ou tráfico de órgãos, números inseguros, dada a natureza clandestina destas actividades.
Trata-se de um negócio hoje comparável ao tráfico de droga, movimentando cifras que o tornam naturalmente atractivo para gente sem escrúpulos que consegue, com meios sofisticados e apoiada em redes de crime organizado, resistir à acção das polícias e das organizações internacionais.
O tráfico de mulheres e crianças tem vindo a crescer no interior dos próprios países e destina-se principalmente a alimentar redes de prostituição e comércio de pornografia. O tráfico de homens adultos fornece sobretudo o mercado de trabalho escravo que se pratica em alguns países.
Neste ponto é particularmente importante atender à distinção entre imigração ilegal e tráfico de pessoas para exploração. A confusão entre estas situações tem levado a políticas erradas que, negando protecção às vítimas, conduzem à sua repatriação automática, colocando-as de novo à mercê das redes de traficantes que as mantêm em situação de verdadeira escravatura.
Os Estados devem, perante este cenário, apressar a dotação da suas ordens jurídicas de instrumentos de reacção que lhes forneçam bases comuns a partir das quais se possa garantir uma verdadeira cooperação. Nesse sentido, é muito importante que todos os Estados ratifiquem a Convenção das Nações Unidas Contra a Criminalidade Organizada Transnacional, conhecida por Convenção de Palermo, em vigor desde 29 de Setembro de 2003, bem como o seu Protocolo Adicional Relativo à Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas, em Especial Mulheres e Crianças, que vigora desde 25 de Dezembro do mesmo ano, instrumentos ainda não ratificados por países como Angola, Costa do Marfim, Cuba, República Dominicana, República Checa, Grécia, ou Índia, entre muitos outros.
As causas do tráfico estão identificadas: pobreza, exclusão, discriminação, ausência de protecção social. As políticas de combate nunca serão eficazes baseando-se apenas na repressão dos traficantes. Haverá sempre quem esteja disposto a arriscar a entrada num negócio tão lucrativo, conhecida que é a dificuldade de dominar estas redes e a sua muito provável impunidade. Por isso, o tráfico de pessoas só se erradicará com o fim da miséria que lhe dá origem.
Perante isto, que poderá a comunidade fazer para proteger os mais vulneráveis, designadamente as crianças, deste risco? A resposta é consensual: prevenir. Prevenir na comunidade, criando apoios e formas de integração das crianças que vivem nas ruas e que estão ao alcance de qualquer traficante. Prevenir na escola, onde é fundamental criar mecanismos de controle da entrada e saída de crianças e adultos e ensinar às crianças os perigos a que poderão ficar sujeitas. Prevenir em casa, estando atento à deambulação das crianças na internet, em que inocentes contactos terminam frequentemente em situações de risco.
E depois, quando uma vítima de tráfico se cruzar connosco, será preciso aprender a ler os sinais do seu silêncio, do seu disfarce mantido tantas vezes sob coacção e ter a capacidade de a encarar e ajudar como vítima que é, não obstante esse estatuto não ser ainda reconhecido por muitos.
Teresa Morais
Adjunta do Gabinete do Provedor de Justiça

Publicado no Jornal de Letras - Educação - 21 de Dezembro de 2005

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