Inquietações Pedagógicas

"Não sei, meus filhos, que mundo será o vosso…"  Jorge de Sena in Metamorfoses

20.12.05
 
GERIR O TEMPO
O tempo é o recurso mais valioso que gerimos nas nossas vidas e, como todos os recursos valiosos é escasso. Por isso, a forma como são geridos os tempos de trabalho escolar, dentro e fora da escola, é uma questão decisiva em termos de resultados da acção educativa.
Muitos são os “gestores” responsáveis por estes tempos: os estudantes e seus encarregados de educação que decidem a forma como organizam os tempos não escolares de aprendizagem; os professores que gerem os tempos de trabalho na aula; as direcções das escolas que organizam os horários escolares de alunos e professores; e finalmente os decisores da política educativa que definem o currículo nacional, o calendário escolar e as regras de prestação de serviço dos professores.
Para atingir um bom resultado final, em termos de aprendizagens realizadas, é necessário que estas diferentes gestões do tempo sejam adequadas. Não existe uma fórmula única de definição do que é adequado, como todos sabemos da nossa experiência de gestão do tempo de trabalho escolar, enquanto estudantes ou pais. Existem, contudo, certas formas de gestão do tempo que conduzem ao insucesso, o que reforça as exigências relativamente à atenção a prestar a este problema.
Em relação às margens de tempo globalmente destinadas ao trabalho escolar, se verificarmos o que se passa nos países da EU, constatamos uma grande diversidade dos tempos mínimos reservados às actividades lectivas.
Para os alunos do 1º ciclo, o número mínimo de horas anuais de trabalho na sala de aula vai desde as 478h (Letónia) até às 980h (Itália) [2]. Portugal situa-se acima da média europeia, com um total de 910h de presença em classe dos alunos do 1°ciclo. Devemos ter em consideração que estas horas lectivas não dizem respeito a outras actividades educativas a que as crianças têm acesso no âmbito da sua escolaridade e que também variam fortemente consoante os países.
Uma outra medida do tempo escolar é a que diz respeito ao número de dias em que as crianças têm aulas. No 1º ciclo, o total de dias de escola varia, na UE, entre os 155 dias por ano, na Bulgária, e os 216, no Luxemburgo. A duração mais comum situa-se entre 175 e 190 dias, adoptada por 22 países, entre os quais Portugal, com 180 dias de actividade escolar.
No que diz respeito aos tempos de trabalho dos professores, dentro e fora da escola, as variações também são grandes. Vinte países fixam um número total de horas de trabalho semanal, incluindo trabalho realizado dentro e fora da escola, neste último caso, de preparação de aulas e de correcção de trabalhos. Para os professores dos diferentes graus de ensino não-superior esse quantitativo global é o seguinte:
Número total de horas de trabalho semanal dos professores
Horas semanais
Países
42,9 a 48,2[3]
Islândia
45
Suécia
40
Alemanha, Áustria, Bulgária, Eslovénia, Eslováquia, Hungria, República Checa, Letónia, Luxemburgo, Polónia e Roménia
37
Dinamarca e Espanha
35
Estónia, França, Portugal e Reino-Unido-Escócia
34
Lituânia

O que todos os países fixam é o número de períodos de ensino, geralmente semanal e por vezes anual, e a sua duração. Por norma, em cada país, o horário lectivo do professor varia consoante o nível de ensino e, por vezes também com o estatuto profissional do docente. Sem entrar em detalhes excessivos, podemos afirmar que a maioria dos professores europeus está em presença da(s) sua(s) turma(s) entre 18 e 20 horas por semana.
Alguns países fixam um número preciso de horas semanais de disponibilidade dos professores na escola, para além dos períodos lectivos, sendo mais frequente que este tipo de obrigação seja previsto em dias de trabalho por ano. Nos casos em que essa presença está estipulada, ela pode variar, segundo os níveis de ensino, e também de acordo com as decisões de cada escola. Para os países que indicaram ter esse tipo de obrigação prevista no contracto de trabalho dos professores, ou na legislação, são os seguintes os limites horários previstos:
Número de horas lectivas e de presença dos professores na escola (semanais)
Países
Horas lectivas semanais
(excluindo as pausas)
Total de horas semanais na escola
CITE 1
CITE 2
CITE 3
CITE 1
CITE 2
CITE 3
Ensino primário
Ensino secundário inferior
Ensino secundário superior
Ensino primário
Ensino secundário inferior
Ensino secundário superior
Finlândia
17,3
12,8 a 17,3
11,3 a 16,5
25
19 a 25
17 a 27
Espanha
22,9
16,5 a 19,3
16,5 a 19,3
30
Grécia
17,7
15,8
15,8
30
Islândia
18,7
18,7
16
33,5
33,5
25,4
Letónia
16,5
13,5
13,5
30,5
27
27
Noruega
19,5
15,9 a 18,8
12,2 a 17,6
30,1
25,5 a 29,1
20,8 a 27,7
Portugal
22[4]
35[5]

O que as estatísticas educacionais não nos podem indicar é a forma como são geridos estes diferentes tempos e é aí que reside o fundamental das diferenças em termos de resultados educativos. De facto, no quadro seguinte, em que reunimos os dados referentes ao tempo de trabalho na escola de alunos e professores, relativos ao ensino secundário inferior, podemos constatar que países com desempenhos tão diferentes em termos educativos como a Finlândia e Portugal apresentam margens horárias de trabalho escolar muito semelhantes. É de realçar que o desempenho dos alunos finlandeses tem sido, repetidamente, o melhor em avaliações internacionais (como é o caso do projecto PISA, no âmbito da OCDE) enquanto os alunos portugueses apresentam globalmente resultados bastante fracos.
Tempos escolares de alunos e professores (CITE 2: ensino secundário inferior[6])
Países
Número de dias de actividade escolar
N°de períodos semanais de trabalho lectivo dos professores
N°horas de presença de professores na escola (total semanal)
N° horas anuais dos alunos em classe
Luxemburgo
216
21
-
900
Dinamarca
200
26
37
910
Finlândia
190
De 17 a 23
29
855
Portugal
180
22
35[7]
930
Espanha
175
De 18 a 21
30
1 050

É por isso que a questão da gestão do tempo é essencial: socorrendo-nos de experiências e práticas doutros lugares, poderíamos concluir que é necessário, no caso nacional, uma maior consciencialização das responsabilidades existentes, aos diferentes níveis, na gestão adequada do tempo, que tendemos a valorizar só quando nos faz falta. Destacaremos, nestas responsabilidades, o dever dos estudantes de dedicar uma margem horária suficiente ao estudo fora da escola, o dos professores de rentabilizar os tempos lectivos em termos de aprendizagem e a responsabilidade das escolas em proporcionarem a alunos e professores horários de trabalho e condições adequadas à consecução dos objectivos educacionais.
Diferentes histórias nacionais explicam a configuração específica que os tempos escolares assumiram nos diferentes países. Estas configurações não são imutáveis e, como quadros globais de definição do tempo e do espaço da escola, têm de se adaptar às novas funções que a escola desempenha. Cabe aos diferentes parceiros sociais envolvidos encontrar os equilíbrios necessários a uma gestão educativa dos tempos escolares.

Beatriz Bettencourt[1]

[1] Professora e investigadora na área da Administração da Educação
[2] Todos os dados apresentados são referentes ao ano escolar 2002/2003 e são retirados do documento: Eurydice (2005). Education at a Glance, disponível em http://www.eurydice.org/Documents/cc/2005/fr/FrameSet.htm.
[3] A variação existente na Islândia é em função do nível de ensino.
[4] No CITE 1 (1º ciclo do ensino básico) o tempo de ensino indicado, em nota, no documento da Eurydice é de 25 horas semanais com uma pausa de 20 minutos por dia. No caso de Portugal, nos restantes ciclos e níveis de ensino não foram deduzidas as pausas.
[5] Aparece no documento como nº de horas semanais de presença na escola, embora inclua o trabalho individual, que pode ser realizado fora da escola.
[6] No caso português o Ensino secundário inferior compreende os segundo e terceiro ciclos do Ensino Básico.
[7] Tal como referimos, é este o n° de horas indicado no documento citado como de presença na escola, apesar de incluir o trabalho individual.

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