Inquietações Pedagógicas

"Não sei, meus filhos, que mundo será o vosso…"  Jorge de Sena in Metamorfoses

20.2.06
 
O Presidente e a Educação ou o Presidente da Educação*
Tem sido dito que o Presidente Sampaio deixará uma marca pelo seu empenhamento na causa da educação. No final dos seus dois mandatos será interessante analisar a ligação que, de facto, manteve a essa área.

Como compreender que, não tendo competências a nível executivo, a sua acção neste sector seja tão evocada? Qual foi a especificidade dessa sua acção? Quais as temáticas pelas quais mais se interessou?

Podemos considerar que, com o tempo repartido entre o acompanhamento da acção política, a análise dos diplomas a promulgar, a deslocação a convite das instituições e as iniciativas próprias organizadas em torno de questões que considerou prioritárias, houve, ao longo dos dez anos, uma preocupação em conhecer e dar visibilidade aos problemas e obstáculos colocados a uma "Educação para Todos" de qualidade, mas também às soluções e esforços que as instituições iam desenvolvendo.

Aproximação aos cidadãos, conhecimento de problemas e valorização de projectos de qualidade

Ficou conhecida a história de Oreana e Andreia Belchior, duas irmãs gémeas de Mafômedes, inteligentes e com grande capacidade de trabalho, que tinham abandonado os estudos após o 4º ano de escolaridade. Numa conjugação de esforços do Presidente da República junto da família – que pretendia que fossem trabalhar para o campo – e com o apoio da autarquia e da administração central, foi possível que prosseguissem estudos, vencendo os sucessivos obstáculos que se colocaram pelo caminho, encontrando-se hoje, ambas, a frequentar o ensino superior. Esta história emblemática é reveladora de uma parte dos problemas educativos do país e da sua evolução nos últimos anos: se por um lado existem hoje muito mais possibilidades de estudar e adquirir uma qualificação, há ainda um trabalho grande a realizar junto das escolas, das famílias e das autarquias, criando-se condições para que cada jovem realize uma escolaridade longa e adquira uma qualificação profissional. Infelizmente nem todos os casos conhecidos tiveram uma evolução favorável: os abandonos existem mesmo e têm protagonistas reais e Jorge Sampaio também os conheceu e vimo-lo falar com jovens que passaram por esta experiência – alguns tinham reintegrado percursos educativos mas outros não. Estas situações existem em todo o país, e em particular no interior e nas periferias das grandes cidades, e são ainda em número muito superior ao que deveria ser tolerado.

Parece ter sido esta a mensagem principal de Jorge Sampaio na educação, preconizando a necessidade de existir uma responsabilidade social bem identificada e assumida em conjunto pelas escolas, famílias, autarquias, técnicos e políticos, e que dê respostas de integração educativa e social quando as crianças e jovens parecem não revelar capacidade de trabalho e de sucesso escolar.

Com a preocupação de aproximação aos cidadãos e aos problemas do país, Jorge Sampaio deslocou-se com frequência ao terreno em todos os sectores da vida dos portugueses e em particular a instituições e projectos educativos. Estas visitas, que sabemos terem sido organizadas em colaboração entre o staff da Presidência e os responsáveis pelas instituições, surgiam como assumidas pelo Presidente e acompanhadas do conhecimento aprofundado dos problemas e projectos. Conhecimento tão amplo que abrangia tanto as estatísticas, como as finanças, as inovações pedagógicas e as dificuldades das instituições, parecendo identificar bem as consequências, na aprendizagem dos alunos, quer da instabilidade dos docentes, quer dos modos de vida nas periferias das grandes cidades, quer ainda do isolamento do interior. Vimo-lo, por isso, manter diálogos pertinentes e ouvir as comunidades educativas.

Constituiu uma inovação o facto de as visitas de Jorge Sampaio às instituições educativas durarem mais tempo do que é comum na maioria dos contactos dos políticos com as populações. Esclareceu, várias vezes, que tinha a preocupação de ouvir, de observar o trabalho e assistir a aulas, de participar em sessões com alunos ou em reuniões com professores, de debater e dar a conhecer soluções para os problemas, não se ficando pela sua mera identificação.

Elevação do nível de qualificação, luta contra a exclusão e o abandono escolares, exigência e abertura da escola ao mundo

Com a sua acção e as suas palavras Jorge Sampaio parece-nos ter contribuído para que os portugueses compreendessem que o seu baixo nível de qualificação é o maior entrave ao seu desenvolvimento e daí o facto de assumir e defender o desenvolvimento educativo como uma responsabilidade de todos. Foram muitas as vezes que o vimos chamar a atenção para o facto de as pessoas serem a principal riqueza de um país e a chave para o seu desenvolvimento e modernização.

A luta contra a exclusão e o abandono escolares foi, assim, um dos temas mais persistentes, mesmo quando tratada em discursos proferidos noutros contextos, tendo sido as duas Semanas da Educação, em 1998 e em 2004, que deram especial nota desta prioridade.

Na dimensão da integração incluiu a preocupação com a educação pré-escolar, a formação profissional e a educação de adultos. Nesta área, que considerou decisiva para o futuro de Portugal, chegou mesmo a presidir a um júri de reconhecimento e validação de competências, visando assim valorizar e dar um sinal de esperança nesta linha de trabalho inovadora.

Assinalou em todos os momentos dedicados à educação a sua preocupação com a qualidade do ensino, a exigência, a necessidade de desenvolver o sentido de responsabilidade e hábitos de trabalho nas crianças e nos jovens. Acompanhou as reformas lançadas e realizou iniciativas sobre o ensino experimental das ciências e o ensino da matemática.

O ensino superior, dominante na agenda política pública no primeiro mandato, esteve presente nas preocupações do Presidente Sampaio, através do acompanhamento da sua expansão, tendo expresso preocupações quanto ao crescimento desorganizado da rede e incentivado inovações e estratégias de ligação escola – empresa.

Também defendeu a necessidade de abertura da escola ao mundo e de renovação do ensino superior através da ciência e da integração das novas gerações de cientistas.
A.M.D.

* Publicado no Jornal de Letras - Educação em Fevereiro de 2006

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