Inquietações Pedagógicas

"Não sei, meus filhos, que mundo será o vosso…"  Jorge de Sena in Metamorfoses

19.3.06
 
OS ALUNOS PORTUGUESES E A MATEMÁTICA*
As Competências Matemáticas
dos Alunos Portugueses

No início deste século, os líderes europeus delinearam o desígnio de desenvolver na União Europeia, até 2010, a economia do conhecimento mais dinâmica e competitiva do mundo.
Se este objectivo é exigente para qualquer dos Estados-membros, para Portugal não pode deixar de ser considerado um fortíssimo desafio, dada a situação de partida particularmente desfavorável do país no que respeita aos níveis de educação e de competências básicas da sua população (ver Quadros 1 e 2).

Quadro 1: População activa por nível de instrução em 2000

Nível de Instrução N.º %
Nenhum 433 200 8,9
Ensino básico:
1º Ciclo (4 anos) 1 659 700 33,9
2º Ciclo (6 anos) 1 045 600 21,4
3º Ciclo (9 anos) 715 900 14,6

Ensino Secundário 585 400 12,0
Ensino Superior 452 200 9,2

Total 4 892 000 100,0

Fonte: INE, 2001

Essa situação é ainda mais preocupante quando comparamos com o panorama português o que se passa na União Europeia e, em particular, nos novos países aderentes.


Quadro 2: Percentagem da população com idade entre 18 e 24 anos cujas habilitações correspondem apenas ao ensino básico e que não continua a estudar nem segue qualquer formação (2002)

União Europeia 18,8%
Novos Países Aderentes 8,4%
União Europeia + Novos Países Aderentes 16,4%
Portugal 45,5%

Ora isto é particularmente evidente no domínio da Matemática. Com efeito, o PISA (Programme for International Student Assessment) 2003 avaliou o domínio da literacia matemática dos nossos jovens, isto é, a sua capacidade de analisar, raciocinar e comunicar ideias com eficiência quando se colocam, formulam, resolvem e interpretam problemas matemáticos numa variedade de situações. Esta avaliação centrou-se em problemas da vida real.
Os resultados do PISA 2003 colocam Portugal numa posição nada confortável (ver Gráfico 1) e mostram que Portugal tem ainda um elevado número de estudantes com níveis muito baixos de literacia matemática – cerca de 30% dos nossos alunos têm um nível de literacia matemática igual ou inferior a 1. Nos países da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico) esse valor é de 21%. Isto significa que quase um terço dos nossos jovens de 15 anos se limita a responder correctamente a questões familiares, em que toda a informação está disponível e só conseguem identificar informação e levar a cabo procedimentos de rotina de acordo com instruções, em situações explícitas.
Quando comparamos as percentagens de alunos nos níveis 5 e 6 do PISA (os níveis superiores), existe também uma grande disparidade. Apenas 5% dos alunos portugueses estão naqueles níveis, enquanto que em termos da OCDE essa percentagem é de 15%.


Gráfico 1: Resultados do PISA 2000 e 2003 (Fonte OCDE)

Também as provas de aferição, aplicadas no final dos 4º, 6º e 9º anos de escolaridade, confirmam estes dados relativos aos nossos alunos. Quando se comparam as percentagens da classificação média relativa à classificação máxima das provas do 9º ano realizadas de 2002 a 2004 e do exame nacional de 2005 (ver Quadro 3) verifica-se que a percentagem global varia entre 37% e 40%, sendo consistente nos quatro anos em que as provas se realizaram, o que deve constituir motivo de preocupação.

Quadro 3: Percentagens da classificação média relativa à classificação máxima das provas de aferição do 9º ano e do exame nacional (2005)

Anos Percentagens
2002 40%
2003 37%
2004 38%
2005 38%

Ainda em relação ao 9º ano, os dados disponíveis mostram-nos que o pior desempenho diz respeito às competências de Raciocínio e de Resolução de problemas, sendo o melhor desempenho o que se refere ao domínio dos Conceitos e Procedimentos. Em termos de áreas de conteúdo, o domínio dos Números e Cálculo é aquele em que aquela percentagem é menor, seguida do da Geometria. Por exemplo, nas provas de aferição de 2004, 52% das perguntas ficaram por responder ou tiveram respostas erradas, sendo o domínio dos Números e Cálculo aquele em que há uma maior percentagem (60%) de não respostas ou respostas totalmente erradas, seguido da Geometria (57%). Nas competências de Resolução de Problemas e de Raciocínio as não respostas e as respostas erradas atingem naquele ano 62%.
A situação agrava-se no 6º ano de escolaridade, onde a percentagem de respostas erradas ou não respostas atingem, em 2004, 68%, registando-se os piores resultados nos domínios de Álgebra e Funções (75%) e Geometria (70%). Na competência da Comunicação as não respostas e as respostas erradas atingem os 78%, seguida da Conhecimento de Conceitos e Procedimentos (62%). Os resultados do 4º ano também mostram fragilidades pois a percentagem de respostas certas é apenas de 51%. Por exemplo, o domínio da Geometria tem apenas 45% de respostas certas, sendo esta percentagem no que se refere à competência de resolução de problemas apenas de 39%.
Os resultados das provas de aferição, que mostram alguma consistência ao longo dos anos, evidenciam algumas das fragilidades do nosso sistema educativo, designadamente a questão do 2º ciclo do ensino básico, onde os resultados são muito fracos. Um dado, do PISA 2003, sobre o qual interessa reflectir, já verificado em avaliações internacionais anteriores, é o facto de os alunos que frequentam anos de escolaridade inferiores ao 10º ano (devido à repetição de um ou mais anos) estarem claramente afastados dos seus colegas que seguem o percurso sem retenção. Este aspecto da retenção de alunos, particularidade do nosso sistema educativo, deve merecer a atenção dos responsáveis pela educação no nosso país.

Desenvolver a Competência Matemática
na Escolaridade Básica

Importa, por isso, desenvolver a competência matemática na escolaridade básica E esta constrói-se através de um investimento na promoção e desenvolvimento dos diferentes aspectos dessa competência durante a escolaridade. Foi isto que fizeram diversos países ocidentais quando foram confrontados com baixos níveis de desempenho em matemática das suas populações escolares. São disso exemplo, entre outros, os relatórios nacionais e os programas subsequentes desenvolvidos nos Estados Unidos da América (cf. A Nation at Risk, 1983; Everybody Count, 1992; No Child Left Behind Act, 2001), em Inglaterra (The National Numeracy Strategy, 1998) ou na Finlândia (Projecto Luma, 1996).
A formação dos professores para o ensino da Matemática foi considerada um aspecto crucial pelos governos dos diversos países, que fizeram um investimento muito especial na qualidade do ensino da Matemática nos primeiros anos de escolaridade. Concomitantemente fizeram um forte investimento na implementação de um sistema de acompanhamento supervisionado dos professores que ensinam Matemática e na avaliação monitorizada dos desempenhos dos alunos, dos professores e das escolas, com uma forte responsabilização das escolas. Ao mesmo tempo houve um esforço para a correcção das assimetrias de desempenho entre alunos e escolas.
Em Portugal, a situação tem sido bastante diferente. Não tem existido uma prática de monitorização de aulas (segundo os dados do PISA 2003, apenas 5% contra 61%, em média, nos países da OCDE) e os estudos que nos permitam conhecer as práticas profissionais dos professores de Matemática são escassos. Estas são certamente um dos factores que mais influenciam a qualidade do ensino e da aprendizagem dos alunos.
No estudo Matemática 2001, dos professores do 1º ciclo inquiridos, 54% revelaram não ter frequentado nenhuma acção de formação de Matemática para a implementação do programa de 1990. Continuam a existir muitos professores que apenas utilizam o manual do aluno para trabalhar a Matemática. No que se refere a necessidades de formação, explicitadas pelos professores inquiridos naquele estudo, estas cobrem um grande leque que vai desde a integração de conteúdos numa perspectiva inter e multidisciplinar, ligação da matemática à realidade através da resolução de problemas, a conteúdos específicos como a Geometria. A necessidade de formação em Geometria é também uma das áreas mais referidas pelos professores de Matemática dos outros níveis de ensino. Um outro aspecto muito referido pelos professores questionados neste estudo é a necessidade da formação centrada nas escolas e com uma forte relação com as práticas na sala de aula.
Apesar da manifestação de necessidades de formação, quando analisamos o número de professores que nos últimos anos realizaram a formação contínua, subsidiada pelo Prodep, verificamos que em 2002 apenas 1923 (14,8%) num universo de 129797 formandos o fizeram em Matemática, 1313 (11,5%) em 113812 em 2003 e 1339 (11,7%) em 114785 em 2004.
No caso português importa ainda ter em atenção um outro factor: a falta de confiança pessoal e uma atitude negativa que muitos dos professores, em especial os dos primeiros anos, têm relativamente à Matemática. Ora ninguém pode desenvolver nos outros uma atitude positiva perante uma ciência se ele próprio a não tem. Dos resultados de um questionário aplicado a 202 professores do 1º ciclo do ensino básico da cidade de Lisboa, em 1998 (Serrazina, 1998), conclui-se que a maioria não gosta de Matemática (mais de 60%) e não a consideram uma das suas disciplinas favoritas. A investigação tem mostrado que a forma como os professores encaram a disciplina tem uma repercussão muito forte nas suas práticas.

O Programa de Formação Contínua em Matemática
para Professores do 1º ciclo

Uma atenção especial às práticas lectivas em Matemática, no caso dos professores do 1º ciclo do ensino básico, é um dos aspectos essenciais do Programa de Formação Contínua em Matemática para professores do 1º ciclo que tem vindo a ser implementado neste ano lectivo de 2005/06. Este programa, promovido pelo Ministério da Educação, está a ser desenvolvido, em termos nacionais, pelas Instituições de Ensino Superior públicas que formam professores do 1º ciclo – catorze Escolas Superiores de Educação e quatro Universidades. O programa dirige-se prioritariamente aos professores que leccionam os 3º e 4º anos de escolaridade e é centrado nas escolas, tendo como um dos seus objectivos o aprofundamento do conhecimento matemático, didáctico e curricular dos professores de modo a que possam promover nos seus alunos uma melhor aprendizagem em Matemática. A formação, que tem vindo a ser feita, consiste na realização de sessões de trabalho quinzenais nas escolas com um grupo de professores e acompanhamento ao nível da sala de aula pelo formador dos professores desse grupo. Estão envolvidos nesta formação mais de 5 000 professores do 1º ciclo de ensino básico que, de um modo global, têm vindo a envolver-se de um modo muito positivo em todo o processo. A colaboração entre formadores e professores é já uma realidade em muitas das escolas do 1º ciclo, onde começa a ser encarada com relativa normalidade a entrada do formador nas salas de aula e o trabalho conjunto que é desenvolvido. Mas, em educação, os resultados não são imediatos e os investimentos apenas se tornam visíveis a médio ou a longo prazo. Parece-nos positivo o começar pelo 1º ciclo pois a forma como a competência matemática é desenvolvida neste ciclo vai ter repercussões no alargamento dessa competência ao longo da escolaridade.

Lurdes Serrazina

* Publicado no Jornal de Letras - Educação 15 de Março de 2006

Comments:
“A esquerda acusa a direita de não respeitar os costumes e tradições dos outros povos. Penso que a prática indiana do «suttee», ou seja, o hábito entre as viúvas de se imolarem, ou de serem imoladas, na pira funerária dos respectivos maridos, deveria ser restabelecida no nosso país. Assim o Louça e a anã Drago ficariam sexualmente mais contentes.” – Quitéria Barbuda in “O sexo e a Esquerda”, revista “Espírito”, nº 30, 2006.

www.riapa.pt.to
 
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