Inquietações Pedagógicas

"Não sei, meus filhos, que mundo será o vosso…"  Jorge de Sena in Metamorfoses

12.5.06
 
"Eduquês"? ... Alguém sabe ou conhece este conceito?
... e ainda a propósito...

Há professores que passam a vida na escola a dar o seu melhor para fazer com que os seus alunos aprendam – são de uma dedicação e de um profissionalismo sem par. São esses que sabem que a Escola não é um remédio para resolver todos os males de que a sociedade padece e mesmo assim, continuam todos os dias, persistentemente, a trabalhar, com todos os seus alunos, para que estes aprendam e o façam de forma significativa. Mas, como em todas as profissões, há bons e piores profissionais. Há aqueles que pretendem dar um sentido social ao que fazem, procuram envolver e responsabilizar os alunos pelo seu próprio processo de aprendizagem, de forma a que estes consciencializem os seus sucessos e as suas limitações e tentam ainda, ajudá-los a encontrar a melhor forma de ultrapassar os seus obstáculos. Estes professores gostam do que fazem, tem uma relação pessoal com os seus alunos e são capazes de lhes transmitir o gosto pela sua área do conhecimento (a sua disciplina), a importância que ela teve para eles como pessoas mais realizadas, quer em termos individuais, quer em termos sociais, isto é, sabem transmitir aos mais novos o gosto pelo que ensinam e reconhecem o lugar da sua disciplina e do seu conhecimento no mundo actual. Habitualmente são pessoas empenhadas social e culturalmente que participam em actividades associativas diversas e com uma visão alargada da vida, da sociedade e do conhecimento.
Na minha óptica só se “aprende” reconhecendo o gosto e o prazer dos outros, mais velhos (professores), ou não (colegas, pares), naquilo que fazem. Ninguém “aprende” de forma descontextualizada e para o exame! (Todos nos lembramos do que aprendemos com os melhores professores que tivemos – não foram apenas os conteúdos, os conhecimentos declarativos e factuais explícitos, mas também o seu “ser”, a sua forma de estar e de se relacionar no e com o mundo).

Ter esta consciência, significa uma maior exigência em termos profissionais por parte dos professores, seja qual for o grau de ensino em que exercem, isto é, em que procuram fazer os seus alunos aprender. Exige o desenvolvimento de competências relacionais (a percepção da importância da forma como se relaciona com os outros – dilema da comunidade (Nóvoa, 2002): saber relacionar e o saber relacionar-se), competências específicas e próprias da sua área do conhecimento (as próprias de um físico, para a Física; as de um historiador, para a História; as de um matemático, para a Matemática; … - relacionando-as com a pertinência actual dessa área do conhecimento na actualidade; dilema do conhecimento (Nóvoa, 2002): saber analisar e analisar-se), competências estas que resultarão necessariamente em competências de consolidação e de afirmação de uma identidade profissional mais abrangente social e culturalmente, logo mais consistente (e menos corporativista) (associadas ao dilema da autonomia (Nóvoa, 2002): saber organizar e saber organizar-se.

Um professor ou professora, digna desse nome, tenta analisar a sua prática docente, tenta perceber os sucessos e as dificuldades dos seus alunos e tenta adaptar-se àqueles que tem na sua frente como alunos, partindo do ponto em que estes se encontram para os fazer crescer e progredir em conjunto (ver dilemas acima referidos). Estes professores interessam-se especialmente pelo crescimento e progresso dos seus alunos e trabalham arduamente para isso, independentemente de todos os constrangimentos sociais e organizacionais da escola em que exercem. Habitualmente estes professores não têm problemas em relatar os seus sucessos, nem os seus fracassos. E, dos mais de 40 anos que já levo destas profissões relacionadas com a escola, quer como professora, quer como aluna/estudante, tenho-me cruzado com eles em todos os níveis de ensino, do pré-escolar ao ensino superior.

Mas há também os outros: aqueles para quem a culpa dos insucessos dos seus alunos (ou seja, dos seus insucessos) está sempre nos outros, nos que os antecederam, na sociedade, nas condições da escola, etc, etc. … em nome de uma suposta e única ciência …
Nunca chegam a questionar-se sobre as suas próprias práticas docentes nem sobre os insucessos e maus resultados dos seus alunos … chega-lhes apontar injustamente o dedo aos outros, ignorando que tudo à sua volta está a mudar e que o mundo já não é o que era, nem que o conhecimento já não se encontra inacessível numa recôndita torre de marfim! …

Este é um discurso escrito em “eduquês”? Desculpem, sou professora há 27 anos e nunca ouvi falar nesse termo nos fóruns do conhecimento que tenho frequentado por força do meu aperfeiçoamento profissional.

Alguém sabe ou conhece o que é o “mediquês”? o “advoquês”? ou o “comuniquês”?

Margarida Belchior
Professora do 1ºCEB
(2006/05/09)

Comments:
... por lapso faltou a referência: Nóvoa, A. (2002). Os professores e o novo Espaço Público da Educação. Espaços de Educação, Tempos de Formação (Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian), pp. 237-263
 
Que bom Margarida!
Admiro a tua coregam de ainda partilhar connosco as tuas preocupações e agradeço que o tenhas feito.
Soube-me bem receber e ler "estas coisas". Partilho do teu sentir...
Que achas de publicar na rev Educação e Matemática? Talvez como Ponto de vista..., nessa secção. Acho que fazia lá falta. Se estiveres de acordo diz-me o mmais rápido pos~´ivel para apresentar às editoras da rev. que está agora em linha de montagem. Acho que todos íriamos agradecer-te.
Beijinhos
Helena Amaral
 
Subscrevo inteiramente o texto da Margarida Belchior sobre o sentido do SER Professor(a), às vezes tão esquecido do quotidiando das nossas escolas, não obstante os vários exemplos de belíssimas práticas dos professores com P que, felizmente, ainda existem e que nos fazem acreditar que AINDA VALE A PENA!(Com ou sem percebermos o tal conceito de eduquês...)
Um abraço
Conceição Brito
 
Oiço na televisão que o ministro francês culpa o método global pelo facto das crianças franceses não saberem ler. Leio em Cahiers Pédagogiques que na França se refere como semiglobal o método(?) que ensina o alfabeto letra a letra. Vejo no sítio la main dans la pâte experiências ricas e diversificadas, feitas por professores e crianças. Leio no Cahiers Pédagogiques um comentário de um saudoso "frenético" que "eles já faziam isso" e que os outros não se afirmam claramente como construtivistas.
Lembro-me as palavras de Fernand Oury: "Em ciências de educação, é melhor admitir que estamos na pré-história. Lascamos pedras, fazemos utensílios"
Que bom, termos que estar com a mão na massa, que (re)inventar esquemas e estratégias, todos os dias, com as pessoas, crianças e adultos com quem nos comprometemos para a aprendizagem e o ensino mútuo. Lembro ainda Oury que observava que há 1 que faz, 10 que escrevem sobre o que ele faz, 100 que escrevem sobre o que os 10 escreveram e que destes 100, talvez 1 se lembra para ver o que se faz.
Que este 1 seja bem-vindo.

Um abraço Margarida.
Pascal
 
gostei dessas afirmações quanto ao professor(a)e pretendo dar uma conclusão teórica em meu relatório de estágio baseado nisto.Obrigado
 
Margarida, neste contexto não é fácil intervir. Até parece que estamos todos de acordo ...
Obrigada por não nos deixares adormecer.
Beijinhos
Conceição Patrício
 
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