Inquietações Pedagógicas

"Não sei, meus filhos, que mundo será o vosso…"  Jorge de Sena in Metamorfoses

12.8.06
 
Educação e desenvolvimento - A propósito de um documentário sobre a Ilha do Corvo



Do trabalho de Pedro Coelho sobre a ilha do Corvo, que a SIC passou recentemente, ficou-me a ideia da solidão dos seus habitantes, do tremendo isolamento da ilha apesar da Internet e da Televisão, das zangas e descontentamentos difíceis de gerir num espaço tão pequeno, da dependência relativamente à Câmara Municipal…uma desilusão para o seu autor relativamente à imagem romântica que muitos têm da ilha.
Ficou-se a saber pouco sobre aquela comunidade, através de um retrato em que os habitantes, ao que parece, não gostaram de se ver. Ficou por dizer aquilo que se perdeu no espírito comunitário que tão nostalgicamente era evocado.
Ficou por se ver a beleza invulgar da ilha, relevante para o retrato
Que mal podiam os habitantes ver nos subsídios, se são legítimos? Porque é que a Televisão e a Internet deveriam promover a comunicação e o reforço do espírito comunitário? Que mal podiam ver nos empregos na Câmara Municipal, de quem foi a iniciativa para quase tudo o que há na ilha hoje? Quem os ajudou a perspectivar uma mudança em que os subsídios seriam colocados ao serviço do desenvolvimento?
O que mais me impressionou foi o modo como a educação tem sido encarada e como parece ter sido gerida na ilha. Há um papel que a educação indiscutivelmente teve nos últimos anos na evolução das pessoas, permitindo-lhes viver de uma forma mais adequada ao nosso tempo e exprimirem-se com muito maior facilidade hoje do que antes. Para uma açoriana isto é muito importante e é importante que se reconheça essa importância. Os açorianos tiveram durante muitos anos dificuldades tremendas para ultrapassar a barreira das ilhas e ter acesso a mais do que a escola primária. Para os corvinos ir para outra ilha significava viver num mundo onde sentiam grande insegurança. O acesso à educação, aos subsídios e às novas tecnologias foi mesmo muito importante.
Fica porém o sentimento do absurdo que é a existência de equipamentos educativos decalcados de outros contextos. É o caso dos 2º e 3º ciclos de escolaridade básica, referidos no documentário. Em zonas com tão poucos alunos ( a professora de matemática referia ter uns quatro alunos) faria todo o sentido que, à semelhança do que se faz por exemplo na Irlanda, as escolas fossem concebidas como pólos de desenvolvimento e mesmo ninhos de empresas. Seria importante estabelecer a ligação entre os ciclos do ensino básico e a educação de adultos (a irracionalidade que já foi denunciada há muitos anos no continente da existência de professores dedicados unicamente ao 2º ciclo, no Corvo é mais visível e ainda mais absurda....).
O desenvolvimento de capacidade de iniciativa empresarial seria a única maneira de contrariar a subsidio dependência que tanto choca, sobretudo porque um dia acabarão sem que a ilha tenha um projecto de desenvolvimento consistente. Os professores deveriam ser recrutados entre aqueles que demonstrassem capacidade como agentes de desenvolvimento local, o que não parece ter sido o caso.
A escola e os professores deveriam desempenhar um papel activo numa educação para o desenvolvimento. Uma componente importante seria uma educação para os media que preparasse os cidadãos para usufruir dos meios novos a que tiveram acesso rompendo isolamentos psicológicos e geográficos.
Este modo de conceber a educação e a formação deveria ser válido para outros contextos isolados, onde existem escolas pequenas. A solução de deslocar os alunos, que tem sentido no continente, não pode ser generalizada e é impossível nas ilhas, quando existe a barreira do mar...mas as escolas pequenas também não fazem sentido se não estiverem integradas num projecto de desenvolvimento. Porque se insiste em estarmos tristemente sós adoptando um modelo de escola - absurda em determinados contextos - numa Europa onde que já se descobriu outros caminhos para articular escola e desenvolvimento local ?

Ana Maria Bettencourt

Comments:
Ao menos tivessem ostrado como o Corvo é bonito
 
O Corvo é diferente do resto do país?...por acaso empregam melhor os subsídios no continente? Os fundos estão a servir o desenvolvimento?
 
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