Inquietações Pedagógicas

"Não sei, meus filhos, que mundo será o vosso…"  Jorge de Sena in Metamorfoses

18.9.06
 
A Nova Lei de Finanças Locais:
UMA OPORTUNIDADE PARA MELHORAR O DESEMPENHO EDUCACIONAL DOS MUNICÍPIOS

Jorge Martins* e Paulo Trigo Pereira**

No âmbito da acção governativa, têm vindo a ser implementadas medidas que procuram promover mudanças positivas, de fundo e de forma, na relação entre as autarquias locais e a educação. Essas medidas ligam-se também às propostas de alteração do regime de financiamento das autarquias bem como ao novo enquadramento global da descentralização de competências.

Ao contrário de outros países de tradição centralista que souberam descentralizar para regiões, departamentos e municípios meios financeiros próprios e adequadas competências de tutela sobre a escola, entre nós a lógica centralista que tem presidido à organização e funcionamento do sistema educativo manteve-se quase inalterada. Sem a regionalização constitucional efectivada, a administração central apenas desconcentrou funções executivas para as direcções regionais e para as escolas, continuando a deter, quase exclusivamente, o poder de definir as políticas, as normas, os recursos, a gestão, o financiamento e os parceiros. As excepções a esta regra, politicamente desconfiada e financeiramente cautelosa, são as competências logísticas e de micro-planeamento dos municípios, que estes não assumem integralmente por razões de défice financeiro, por falta de regulamentação legal ou por falta de qualidade da respectiva liderança.

Trinta anos após a institucionalização do poder autárquico democrático, ainda persiste um significativo contencioso entre os municípios e a administração pública central acerca de situações acumuladas e não resolvidas. Por um lado, os autarcas apontam as implicações da desconcentração, para os serviços regionais ou para as escolas, de competências que, na sua opinião, deveriam pertencer-lhes e, por outro lado, consideram inaceitável que competências transferidas possam ficar condicionadas, directamente ou não, por outros poderes e meios que não foram descentralizados. Assim, a coordenação entre entidades que intervêm na educação, a clarificação de poderes e o financiamento adequado às responsabilidades que detêm, parecem constituir as prioridades actuais das autarquias na resolução do contencioso.

Também a evolução localista das políticas de desenvolvimento social e económico do país fez aumentar a não coincidência entre atribuições e meios financeiros e entre competências formais e “competências morais” das autarquias em matéria de educação.

Como já referimos, algumas das “velhas atribuições” – construir, apetrechar e manter escolas do ensino básico, assegurar os transportes escolares, gerir os refeitórios do pré-escolar e do básico, comparticipar no apoio social escolar às crianças e alunos do ensino básico, apoiar o desenvolvimento de actividades complementares, participar no apoio à educação extra-escolar e gerir o pessoal não docente do 1º ciclo – ainda não são completamente assumidas por todos os municípios. No entanto, paradoxalmente, em nome da subsidiariedade, da satisfação das necessidades básicas dos munícipes e do desenvolvimento local, muitas câmaras consideram essas e outras competências não inscritas “na lei” como “dever moral” e acabam por concretizá-las, em grau variável, recorrendo aos seus próprios orçamentos.

Mais recentemente, devido às pressões cruzadas da administração central, das comunidades locais e das escolas, os municípios desencadearam novos compromissos de acção educacional, na fronteira indefinida entre o formal e o informal: transportes no pré-escolar, apoio aos projectos educativos, oferta do serviço de refeições, actividades de enriquecimento curricular e contratação de professores e outros técnicos ligados ao 1º ciclo.

Este processo desigual e descoordenado, onde coexistem algumas competências e atribuições regulamentadas e financiadas em sede de Orçamento de Estado, com outras que não o foram e, também, com outros compromissos de acção estabelecidos através de “uma geometria jurídica variável” de contratos-programa (casos da construção, reconversão e manutenção de Jardina de Infância, do fornecimento de refeições ou do ensino de Inglês no 1º ciclo), de acordos de colaboração (por ex., na contratação de pessoal não docente do pré-escolar) ou de protocolos de colaboração (na requalificação do parque escolar de alguns municípios), configurou uma descentralização “paralela”, perversa e ineficaz, que urge regular e uniformizar sob pena de aumentarem as assimetrias intermunicipais e as desigualdades educativas.

Descentralização e/ou desconcentração? O Fundo Social Municipal.

As duas vias fundamentais pelas quais é possível realizar uma transferência de atribuições, competências e recursos, agora centralizadas no Ministério da Educação, são a descentralização política para autarquias locais ou a desconcentração para escolas ou respectivos agrupamentos dando-lhes maior autonomia. Estes dois processos são independentes um do outro, podendo, ou não, evoluir de forma paralela, dependendo da vontade política do governo, da Assembleia da República (AR) e das autarquias locais.

Na situação presente está-se a avançar nestes dois domínios, com a tentativa de progressão dos contratos de autonomia e com a nova proposta de lei das Finanças Locais que o Governo apresentará na AR. Uma das inovações da proposta é a criação de um Fundo Social Municipal (FSM), que são transferências do Orçamento do Estado para os municípios consignadas às funções sociais: educação, saúde e acção social (sendo que em 2007 o FSM destina-se apenas à educação). A sua distribuição será função das crianças e jovens inscritos em estabelecimentos do pré-escolar e do ensino básico público em cada município. As despesas elegíveis no âmbito deste fundo são, entre outras, despesas correntes de funcionamento do pré-escolar público, e dos três ciclos do ensino básico, nomeadamente as remunerações de pessoal não docente (ou docentes não afectos ao currículo obrigatório), os serviços de alimentação, as despesas com prolongamento de horário e transporte escolar, o enriquecimento curricular (professores, monitores e outros técnicos com funções educativas de enriquecimento curricular).

Aquilo que se pretende com este fundo é que os municípios possam progressivamente vir a assumir competências acrescidas gerais nos domínios referidos sendo que as verbas transferidas por cada estudante de cada ciclo de ensino são exactamente idênticas deste modo implementando um princípio genérico de equidade. Assim, a proposta de lei prevê que em cada ano o Orçamento de Estado possa estabelecer um aumento do montante do fundo em função de novas competências municipais assumidas nas referidas funções sociais.

Isto não significa que não possa e não deva continuar a existir alguma discriminação, sempre que devidamente justificável e fundamentada, operada através de contratos programa entre o Ministério da Educação e as escolas. Por exemplo, na medida em que se verifique que a proporção na população escolar de crianças com necessidades educativas especiais em certos municípios é significativamente maior isso poderá justificar uma discriminação positiva e ela deverá ser feita directamente com verbas contratualizadas para esse fim.

Muitos estarão de acordo que a contratação de um novo auxiliar de acção educativa, de um animador cultural ou de um psicólogo, numa escola de Vila Real de S. António ou de Bragança, não deveria ser decidida e financiada directamente pela Cinco de Outubro. Quase todos os países onde os sistemas educativos são mais desenvolvidos e os resultados escolares melhores apresentam graus de proximidade com as comunidades educativas e graus de autonomia escolar maiores. Só parecem existir duas vias para se progredir. Ou se descentraliza para os municípios dando ênfase à relação destes com as escolas, nos domínios que não têm directamente a ver com a implementação do currículo obrigatório, ou se caminha no sentido da autonomia das escolas. O desafio que a nova lei das finanças locais consubstancia é o de avançar também com a descentralização.

* Professor do Ensino Secundário e investigador em Educação
** Professor do ISEG, Coordenador do Grupo de Trabalho das Finanças Locais

Publicado no Jornal de Letras - Educação Agosto 2006

Comments:
De acordo com as notícias mais recentes, o Governo pretende passar para a competência das Câmaras Municipais a gestão das áreas da Educação, Saúde e Segurança Social.

A notícia não é esclarecedora, mas a passagem daquelas áreas para a competência das Câmaras Municipais implica a transferência dos meios patrimoniais, humanos e monetários do Estado para as Câmaras Municipais.

Não se entende que assim não seja uma vez que é o Estado quem cobra os impostos e é suposto que, em troca, nos preste aqueles serviços.

Como o déficit do Orçamento do Estado tem que ser reduzido drásticamente, mesmo que venham a fazer-se algumas transferências económicas, elas serão sempre insuficientes.

Assim, restam apenas três alternativas:
1ª.)ou as Câmaras Municipais são autorizadas e criam taxas para que os munícipes paguem o diferencial dos custos dos referidos serviços; 2ª.)ou a sua qualidade vai ser bastante afectada; 3ª.)ou nem sequer existirão nalguns munícipios.

Os apoios do Estado terão que ser por objectivos, uma vez que alguns municípios tendem a dar prioridade a obras de fachada e vez de outras mais úteis e necessárias, mas menos visíveis: É mais visível a construção de meia dúzia de rotundas e a compra de um ou dois autocarros do que a reextrturação das redes de esgotos ou de água, ou a pavimentação de ruas já degradadas

Silvério Rosa, Buraca
 
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