Inquietações Pedagógicas

"Não sei, meus filhos, que mundo será o vosso…"  Jorge de Sena in Metamorfoses

12.11.06
 
Ainda sobre a Diversidade III

Diversidade e desigualdades III- O défice pedagógico

Grande parte dos desafios da integração colocam-se ao nível do trabalho na sala de aula.
Temos um grave défice pedagógico quer ao nível dos processos de diferenciação do trabalho na sala de aula e dos processos de enquadramento educativo, quer ao nível da capacidade de integração nas aprendizagens de temáticas através das quais a escola se abre aos mundos dos seus alunos valorizando-os. Este défice verifica-se desde a organização da sala de aula no 1º ciclo do ensino básico até ao nível do trabalho das equipas pedagógicas /conselhos de turma no 2º, 3º ciclos do ensino básico e ensino secundário.

Existem hoje espaços curriculares que apontam para a concretização de estratégias de diferenciação, como o desenvolvimento de projectos interculturais e a educação para a cidadania. Refiro-me às Áreas Curriculares Não Disciplinares(ACND)- áreas de autonomia das escolas e dos professores, onde é possível diferenciar e adaptar os Projectos às realidades sociais e aos alunos.
Existem projectos e materiais do maior interesse como por exemplo os que têm sido produzidos pelo ACIME ou pelo Projecto Gulbenkian para a Diversidade. Para terem maior sucesso, as ACND exigiriam o desenvolvimento de estratégias de inovação e acompanhamento que ainda não existem na escola portuguesa.

Dois problemas pedagógicos:

1. A caracterização das turmas realizada no início do ano lectivo dificilmente é acompanhada de estratégias que correspondam às necessidades de integração de cada aluno . Aprendeu-se a fazer a caracterização das turmas, mas uma gestão pedagógica consequente exigiria estratégias de diferenciação pedagógica, percursos individualizados de trabalho. São estratégias que exigem formação, acompanhamento e segurança das equipas de professores face à inovação.
2. Há uma tendência muito generalizada para se verem de forma muito negativa os percursos....o aluno ainda não sabe, ainda não faz....
Charlot, Badinter e Rochex (1992, num trabalho sobre educação e meios sensíveis, defendem que se proceda a uma “leitura em positivo” da realidade social e escolar, porque a interpretação da realidade em termos de “falta, lacunas, handicap”, facilmente conduz a desmotivação.
Conversando há uns anos com uma amiga dinamarquesa conhecedora da escola portuguesa, ela dizia-me :.” a diferença entre a escola dinamarquesa e a escola portuguesa é que na Dinamarca partimos do que os alunos sabem para os incentiva a estudar mais, enquanto em Portugal vocês procuram sempre o que os alunos não sabem e com isso desmotivam-nos....”
Ainda a desigualdade e a diversidade
Numa caracterização de uma turma numa escola de periferia de Lisboa, todos os pais tinham entre o 4º e o 6º ano de escolaridade, à excepção de três que tinham cursos superiores (estes, todos provenientes do Leste Europeu)...São situações frequentes, mas diferentes da imigração a que estávamos habituados. Os filhos destes quadros superiores, ao chegarem ao nosso país, encontram grandes dificuldades causadas sobretudo pelo desconhecimento da língua, mas rapidamente se integram, desde que a escola tenha condições para ensinar o português como 2ª língua, o que nem sempre acontece. Situação bem diferente é a dos alunos de origem africana, para os quais as desigualdades são bem mais pesadas.
O mundo dos alunos imigrantes é com frequência recalcado, quando poderia ser fonte de aprendizagens enriquecedoras no plano cultural para os colegas.
A mim parece-me que a escola portuguesa está muito fechada ao mundo...

Ana Maria Bettencourt

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