Inquietações Pedagógicas

"Não sei, meus filhos, que mundo será o vosso…"  Jorge de Sena in Metamorfoses

13.4.07
 
Necessidades Emergentes das Crianças
Teresa Vasconcelos*


Inscrita no processo de ratificação da Convenção dos Direitos da Criança, vários trabalhos têm sido desenvolvidos analisando o processo de implementação da Convenção nos diferentes países subscritores[1]. Um dos mais interessantes foi realizado por Nico van Oudenhoven & Rekha Wazir, dos Países Baixos, com o título Newly Emerging Needs of Children[2]. Os autores dedicaram-se, nos últimos 10 anos, a uma “revisão de literatura” original: recolha de notícias (nomeadamente da BBC) sobre factos que se prendem com situações “inéditas”, ou pelo menos, “pouco comuns” na vida das crianças: por exemplo, a taxa de suicídio infantil no Japão; uma criança que, na China, mata a mãe por a pressionar para o desempenho escolar; meninas no Reino Unido vivendo precocemente a sua vida sexual ou necessitando de contraceptivos para o caso de serem violadas; prostituição infantil; crianças-bomba; crianças a receber tratamento por se terem tornado dependentes da Internet etc. Os autores cruzaram os dados recolhidos com um conjunto de estudos de caso realizados em tão diversos contextos como a Nicarágua, o Quénia, a Índia, ou, os Países Baixos. Pretendiam interrogar a Convenção dos Direitos da Criança tal como ela existe, e equacionar que desafios, problemáticas ou dilemas as sociedades de hoje colocam a essa mesma Convenção. Todo este trabalho está inscrito numa nova Sociologia da Infância que interroga uma “infância-padrão” e prefere nomear e descrever a diversidade de formas de se ser criança nos dias de hoje.

Nico van Oudenhoven e Rekha Wazir definem o conceito de “novas necessidades emergentes” como “um rótulo que pretende descrever um conjunto de desafios, oportunidades, acontecimentos, problemas e ameaças, levemente inter-ligados, que são relevantes para o desenvolvimento global das crianças mas que, até agora, não têm sido encontrados por essas crianças, nem pelas crianças que as antecederam, ou, se estavam presentes, então existe um dramático aumento da sua incidência” (2006: 33).
Alguns dos problemas e desafios encontrados prendem-se com o acesso indiscriminado das crianças à informação, a solidão infantil e a invasão de um “universo virtual” através dos meios de comunicação, levando à interiorizarão de modelos fabricados. Estes outros mundos a que as crianças têm acesso, de par com as suas realidades imediatas, provocam confrontos complexos e diluem as fronteiras entre o mundo adulto e o mundo infantil sem consequências ainda previsíveis.

Nico van Oudenhoven e Rekha Wazir recomendam que se criem mecanismos de rápida avaliação e intervenção no que toca às novas necessidades das crianças, permitindo identificá-las e a elas responder, através de um tecido social alargado de adultos (“uma cadeia humana”, referem estes investigadores) incluindo família e vizinhos, mas também educadores, profissionais da área social, da justiça, da saúde ou do lazer, que escutem as crianças, os seus pontos de vista sobre situações e acontecimentos e as ajudem nos seus problemas e nas suas formulações, à medida que tentam fazer sentido da realidade que as cerca.

Para manter esta “cadeia humana” de apoio às crianças, os autores concluem com as seguintes recomendações:

. Desenvolver uma visão compreensiva, isto é, desenvolver políticas coerentes para as crianças, com objectivos, estratégias, instrumentos, alocação de recursos, resultados previsíveis;

. Manter a criança como o enfoque primordial isto é, garantir que toda e qualquer actividade orientada para a criança seja para seu benefício, com pontos de ancoragem a nível governamental, avaliando todas as políticas nacionais e locais com respeito ao seu impacto na vida das crianças;

. Envolver todos os responsáveis, incluindo as vozes das crianças, fortalecendo os adultos responsáveis por elas, Organizações Não-Governamentais, profissionais, a comunidade de investigação, os meios de comunicação, bem como o sector privado;

. Definir de forma ampla as questões das crianças, incluindo todas as questões que violam a integridade da criança, preparando uma definição de conceitos suficientemente precisa para poder ser usada em contextos práticos e em investigação;

. Aumentar a atenção às medidas preventivas, desenvolvendo programas de prevenção de espectro largo que envolvam toda a população, identificando os factores de risco, e identificando mecanismos de compensação positiva e formas de re-orientação positiva;

. Aumentar a consciência e a sensibilidade cultural, aceitando as diferenças culturais com relação às crianças, evitando usar barreiras culturais como desculpa para a inacção; ter em atenção que a cultura e a tradição são complexas e também passam por mudanças; investir em políticas directas de inclusão de todos os grupos étnicos ou minoritários;
. Recolher dados de modo consistente, periódico e sistemático, conduzindo de forma regular inquéritos sobre factores-chave no desenvolvimento da criança; usar os dados para monitorizar tendências, o impacto das políticas, prioridades e atribuição de recursos e para informar o público;

. Promover investigação a pedido, definindo questões de investigação baseadas em problemas do domínio das políticas, responder às necessidades expressas pelas crianças e seus responsáveis e envolvê-los sempre que possível; estimular e promover investigação dentro dessas áreas;

. Promover acção baseada em trabalho comunitário, estimulando grupos de pais ou comunitários, validando iniciativas locais, envolvendo todas as organizações da comunidade, quer voluntárias, quer formais.



1 Portugal subscreveu a Convenção em 1989.
2 Nico van Oudenhoven & Rekha Wazir (2006). Newly Emerging Needs of Children: An exploration. Antuérpia, Bélgica: Garant.
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*Professora da Escola Superior de Educação de Lisboa


Publicado no Jornal de Letras - Educação - Março 2007


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