Inquietações Pedagógicas

"Não sei, meus filhos, que mundo será o vosso…"  Jorge de Sena in Metamorfoses

4.4.07
 
O erro de Sócrates
Nunca entendi bem a curiosidade do meu pai a propósito de cada político que aparece na televisão. Aquilo que ele diz naquele momento interessa-lhe muito menos do que “aquilo que ele é” (entenda-se que curso tirou) ..por regra faço-me desentendida e invariavelmente respondo que é político, chamo a atenção para o que faz...mas o que ele quer mesmo saber é se aquele eleito tirou algum curso superior. Para ele, político que não tem curso...não lhe merece consideração. Ele e muitos portugueses (julgava eu por engano que de outra geração) ainda são do tempo em que a posse de um diploma separava os portugueses em duas categorias distintas. Esta mentalidade assenta no pressuposto de que só aquilo que se aprende na escola ou na universidade é que é digno de ser valorizado como saber. Não faz sentido que a apreciação de um primeiro-ministro ou de um presidente da república sejam feitas em função dos títulos académicos, que nem deveriam usar. ....
Veja-se o que se passa na maioria dos países europeus.

Vem isto a propósito das notícias sobre um dos diplomas do Primeiro Ministro, José Sócrates (ao que parece já depois do diploma que esteve na base da polémica, na Universidade Independente fez uma pós-graduação numa Universidade Pública, diploma de que curiosamente ninguém fala). As críticas baseiam-se designadamente nos factos de ter concluído rapidamente o diploma de licenciatura, de o diploma ter sido passado num domingo, e um jornal do fim-de-semana associava mesmo a esta polémica uma lista de políticos que teriam concluído as suas licenciaturas em fases tardias da vida. Como se de um pecado se tratasse. O abandono a meio de percursos académicos não é desejável, mas cada um tem o direito de fazer o percurso académico que entender, desde que não o faça à custa do erário público, acumulando repetências. Num país que prezasse a educação ao longo da vida estes casos poderiam ser dados como exemplo de pessoas que, apesar dos lugares categorizados que ocupavam, quiseram aprender mais.
A alternância do estudo e de actividades de trabalho deveria ser encarada com naturalidade numa sociedade de conhecimento. Como também seria normal que pessoas que deram provas numa actividade política como é o caso de Sócrates, António José Seguro, Carvalho da Silva, Manuel Monteiro, ao reingressarem num percurso académico vissem reconhecidas competências e saberes adquiridos fora da escola e, por isso, pudessem fazer um percurso académico mais rápido. Nos Estados Unidos da América, o reconhecimento e validação de competências são prática corrente. Parte das grandes universidades europeias já o fazem também. Em Portugal ficamo-nos pelo reconhecimento e validação de competências ao nível dos ensinos básico e secundário. Estes processos são muitas vezes um estímulo para que as pessoas continuem a estudar. E Portugal bem precisa de criar estímulos para que se desenvolva mais a educação de adultos e seria bom que universidades e politécnicos aderissem a esses processos.
Um outro ponto desta polémica é o uso do título de engenheiro por alguém que tem um diploma de engenharia. Outra originalidade portuguesa: temos cursos reconhecidos pelo Ministério da Educação / Ensino Superior alguns deles mesmo financiados pelo Estado que não dão direito ao uso do respectivo título.
As análises até agora disponibilizadas pela imprensa portuguesa sobre este “folhetim” assentam em conceitos obsoletos que conduzem a meu ver a uma distorção da verdade.
Sócrates só cometeu um erro: ter frequentado aquela universidade. Ele, e tantos outros portugueses, foram vítimas de decisões políticas que permitiram a existência no nosso país de instituições que em nada prestigiam o ensino superior. Pena é que instituições prestigiadas em pouco tenham contribuído para o desenvolvimento da educação ao longo da vida.

Ana Maria Bettencourt

Comments:
Pois pois....
O ideal é desistir da escola, fazer a vida negra aos professores e depois, mais tarde, quando se percebe que não se vai a lado nenhum sem canudo, arranjar umas equivalências.
Eu não sou contra a educação tardia, só acho que ela deve ser igual à outra. Com as mesmas exigências, a mesma carga horária e os mesmos diplomas.
Mas agora começo a entender a ideia peregrina que se está a generalizar em Portugal, dos centros de equivalências, dos cursos ao longo da vida etc... é bom poder sempre saber que se falharmos na escolaridade básica porque ela é, felizmente, o único lugar de exigência no nosso país, podemos sempre mais tarde tirar uma equivalências à noite e fazer uns exames.
Razão tem o seu pai... eu estou com ele... ou tem uma licenciatura como deve ser, ou há alguma coisa que não bate certo.
 
Aquilo que nós somos é que faz a diferença na utilização da ferramenta que possuimos... não o inverso!
 
Este comentário foi removido pelo autor.
 
O erro de Sócrates foi, na minha opinião, ter bebido cicuta. O primeiro ministro actual, que por acaso tem o mesmo nome, não cometeu erro nenhum. É apenas um político dos tempos modernos que mentiu e que mente aos portugueses, até agora, impunemente.
 
De facto , por este caminho de equivalências e RVCC não tarda até os analfabetos terão um canudo universitário...
 
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