Inquietações Pedagógicas

"Não sei, meus filhos, que mundo será o vosso…"  Jorge de Sena in Metamorfoses

22.5.07
 
Crises e Governo das Universidades
Pedro Lourtie*

A recente crise na Universidade Independente, mais mediatizada pelo facto de o Primeiro-Ministro ter aí obtido a sua licenciatura, fez reacender a discussão sobre a qualidade do ensino superior privado. Não é primeira instituição privada que entra em crise, veja-se o caso da Livre e, mais recentemente, a Autónoma ou a Moderna, para só falar em universidades.
Nem todos saberão, mas as instituições de ensino superior, incluindo as que têm o estatuto de universidade, são propriedade de uma outra entidade, designada por entidade instituidora, e que detém a gestão administrativa, económica e financeira do projecto. É a entidade instituidora que define a missão e elabora os estatutos que, uma vez legalmente aprovados, dão corpo à instituição de ensino superior, e que nomeia o Reitor. As autonomias que a lei confere às universidades são a pedagógica, a científica e a cultural.
As situações que têm vindo a público como crises nas universidades, envolvem sobretudo dinheiro e, eventualmente, divergências quanto ao projecto que se pretende levar a cabo. Ou seja, na origem das crises têm estado as entidades instituidoras, mesmo quando envolve também as entidades académicas. Aliás, muitas vezes é difícil de saber quem é o quê, dado ser frequente a acumulação de funções na entidade instituidora e na instituição de ensino superior.
As deficiências na qualidade da formação não são a origem das crises, sendo antes uma consequência de problemas ou conflitos internos e vêm a público quando a crise chega à comunicação social.
Para além de comportamentos criminais, de que nenhuma instituição está isenta de ser alvo e de que as autoridades competentes terão de tratar, a questão fundamental é o governo, ou governança, designadamente no que se refere à interacção entre entidade instituidora e universidade. As entidades instituidoras das universidades são de três tipos: sociedades anónimas, como as da Independente, da Internacional e da Atlântica; cooperativas como as da Moderna, da Autónoma de Lisboa, da Lusófona e da Portucalense; e fundações, como as da Fernando Pessoa e da Lusíada.
O histórico de problemas surgidos que já abrange um número significativo de casos, tendo em conta que são nove entidades instituidoras de universidades, pareceria sugerir que há algo de errado no modelo. Não é certamente no que se refere à distribuição legal de poderes entre a entidade instituidora e a universidade que é semelhante ao que podemos encontrar em instituições americanas usualmente dadas como referência. Na realidade, instituições privadas como Harvard, MIT ou Yale, têm uma “corporation”, que podemos identificar com a entidade instituidora, com um estatuto do tipo fundacional, e a instituição académica propriamente dita.
Não sei se houve e quantas foram as instituições americanas que desapareceram em crises semelhantes às que temos assistido em Portugal. O que sei é que estas instituições que são dadas como referência são muito mais antigas do que as universidades privadas portuguesas. Harvard, por exemplo, foi criada em meados do século XVII e o MIT tem 150 anos.
Seria interessante conhecer as razões do seu sucesso, retirando daí ensinamentos para a revisão do estatuto do ensino particular e cooperativo. E, também, antes de tentar transpor o modelo para as instituições públicas portuguesas.
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* Professor do Instituto Superior Técnico e membro do CRISES (Colectivo para a Reflexão e Intervenção Sobre o Ensino Superior)

Publicado no Jornal de Letras - Educação Maio 2007

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