Inquietações Pedagógicas

"Não sei, meus filhos, que mundo será o vosso…"  Jorge de Sena in Metamorfoses

16.6.07
 
A Proposta de Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior
Pedro Lourtie*
Foi recentemente conhecida a proposta de lei do Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior. O texto cobre temas fundamentais para o funcionamento do ensino superior. Independentemente dos aspectos de pormenor, merecem especialmente análise o sistema binário e o governo das instituições.
No que se refere ao sistema binário, o documento traduz uma preocupação em distinguir as instituições politécnicas das universitárias, na linha afirmada pelo Governo. Não será neste artigo que se discutirá esta opção. Mesmo dando como boa a organização binária do sistema, há exageros na distinção entre subsistemas. Por exemplo, a formulação do artigo 3º sugere que não há formações profissionalizantes no ensino universitário, o que não é a realidade.
No artigo 76º enunciam-se dois princípios da organização interna dos politécnicos, sem paralelo no universitário, a inserção na comunidade territorial e a ligação às actividades profissionais e empresariais. As implicações destes princípios na aplicação concreta não são claras. No entanto, do primeiro não deverá decorrer que a oferta formativa se destina apenas à comunidade em que se insere, pois não é possível, nem desejável, que todas as formações politécnicas existam em todos os politécnicos. Quanto ao segundo princípio, a ligação às actividades profissionais e empresariais, a ser relevante, é para todas instituições que formam profissionais, não apenas para os politécnicos.
Quanto ao corpo docente, a exigência de percentagens de especialistas suscita duas questões. Primeira, não estando definido o conceito de especialista, torna-se impossível avaliar da razoabilidade das exigências. Segunda, exige-se um especialista ou um doutor por cada 30 estudantes e que metade dos primeiros desenvolvam actividade profissional. Ora, caso haja um doutor por cada 30 estudantes, ter-se-ia de concluir que não seriam necessários especialistas com actividade profissional. Não se conhecendo a fundamentação destas regras, a sensação é que caíram do céu aos trambolhões.
O governo das instituições coloca várias questões, mas só algumas será possível aflorar. As actuais leis de autonomia prevêem múltiplos órgãos colegiais, com representantes eleitos e tendencialmente de grande dimensão. É excessivo e muitas vezes dificulta o bom funcionamento das instituições. Na proposta, parece cair-se no extremo oposto, com os limites impostos à dimensão dos órgãos.
Assentar a direcção em equipas coesas é positivo. No entanto, definir conselhos científicos (CC) ou técnico-científicos (CTC) e conselhos pedagógicos (CP) de menor dimensão e compostos por eleição, coloca um problema novo. É o eventual conflito entre os eleitos e aqueles que gerem as subunidades orgânicas ou as formações. No CP prevêem-se “representantes do corpo docente”, o que se presume significar que sejam eleitos. Se esta interpretação é correcta, poderemos ter directores ou coordenadores de curso que têm de ser eleitos ou ficarão fora do fórum onde são tratadas as questões que lhes dizem respeito. Na situação actual, é possível criar comissões, no seio dos órgãos, com uma composição (parcialmente) orgânica, resolvendo este problema.
A solução proposta não é boa e parece uma forma de poder afirmar que há órgãos eleitos, ou então um resquício da situação actual. Os estatutos poderiam prever outros órgãos, mas estes conselhos teriam sempre de existir.
Mas se estes órgãos (CC ou CTC e CP) tivessem uma composição orgânica, então poderia restar apenas o conselho geral (CG) com alguma forma de representação. Faltaria um fórum onde se pudessem exprimir diferentes linhas de pensamento, visto que o CG, na sua versão mínima, teria um estudante. O desafio, não conseguido com a proposta, é conjugar a noção de academia com uma organização que assegure a eficácia de gestão.
Muitas outras questões se poderiam discutir. Por exemplo: o processo de escolha do Reitor ou Presidente; a composição do CG; o mandato do CG, inferior ao do Reitor ou Presidente; a relevância das normas relativas a unidades orgânicas para as que são autónomas e para as que o não são; a adequação do que se prevê para as unidades orgânicas deslocadas da sede; a definição dos limites de acumulação com base em horas lectivas; a exigência de comunicação apenas para acumulações em instituições privadas. A transformação das instituições em fundações, com alterações importantes relativamente à versão que terá ido anteriormente a Conselho de Ministros, mereceria igualmente análise cuidada.
Embora o texto esteja globalmente bem estruturado, faz falta uma fundamentação das opções feitas. Antes de discutir normas, de forma avulsa, é a discussão da filosofia que importa.
_______________________________________________________________________________________
*Professor do Instituto Superior Técnico e membro do CRISES

Publicado no Jornal de Letras - Educação Junho 2007

Comments: Enviar um comentário

<< Home