Inquietações Pedagógicas

"Não sei, meus filhos, que mundo será o vosso…"  Jorge de Sena in Metamorfoses

11.7.07
 
ENSINAR/APRENDER FILOSOFIA
ENSINAR/APRENDER FILOSOFIA[1]
Celestino Froes David*
As características próprias da disciplina de Filosofia no ensino secundário e as condições actuais em que se desenvolve o ensino da Filosofia nas escolas mostram uma acentuada degradação, devido a constrangimentos que afectam os professores em geral, como todos reconhecem. Trata-se de problemas que afectam a autoridade do professor na sala de aula, na sua relação com os alunos, na avaliação, no quotidiano da actividade docente que transformam os professores em funcionários burocratas, mais atentos a problemas administrativos do que às tarefas que constituem a sua verdadeira função de ensinar e desenvolver em si próprios e nos alunos o gosto e o prazer pelo saber filosófico. Sem esta satisfação pelo trabalho desenvolvido não há certamente resultados satisfatórios nem compensadores.
Neste contexto o ensino da Filosofia tem sido desqualificado e/ou esquecido por quem tem responsabilidades no Ministério da Educação. É este esquecimento que nos alerta, numa altura em que se menospreza a formação filosófica nos curricula dos alunos e se extingue a necessidade de um exame nacional desta disciplina como acesso ao ensino superior. Perante estas preocupações os professores das três escolas secundárias de Évora reuniram-se e sintetizaram as suas reflexões num manifesto que exprime os aspectos considerados essenciais no debate sobre este tema. Que este problema ultrapassa largamente os aspectos institucionais relacionados com o ensino secundário e superior e tem consequências negativas óbvias no desenvolvimento social e cultural do país, eis o que parece notório para todos, excepto talvez para os que têm a função de tomar decisões desta gravidade.
Em primeiro lugar devemos acentuar que a manutenção da disciplina de Filosofia, anteriormente designada como Introdução à Filosofia, não está posta em causa nos curricula dos 10º e 11º anos de todos os cursos científico-humanísticos e cursos tecnológicos do ensino secundário como disciplina de formação geral, pelo que nada nos leva a supor que a situação se venha a alterar. Acresce que as indicações da União Europeia, como por exemplo o Relatório Delors (1996)[2] e documentos da UNESCO, vão neste mesmo sentido de reconhecer e favorecer a formação filosófica no ensino secundário.
A criação de um exame nacional de Filosofia no 11º ano que teve a sua primeira época em 2006 e terá ainda continuidade em 2007, foi um episódio lamentável que veio substituir o exame nacional de acesso ao ensino superior até então realizado no 12º ano. Foi esta substituição, realizada sem qualquer fundamentação sólida, que veio lançar a confusão e dar origem a outros equívocos que os professores de Filosofia do ensino secundário bem conhecem. Refiro-me à introdução de umas chamadas Orientações para a Leccionação dos programas de 10º e 11º anos e a um novo modelo de exame para o 11º ano que foram adoptados pelo Ministério com o beneplácito da Sociedade Portuguesa de Filosofia, da Associação de Professores de Filosofia (APF) e ainda da equipa responsável pelas reformulações do Programa de Introdução à Filosofia (aprovado em 1991). Apesar das reservas manifestadas pela Associação de Professores de Filosofia[3] os documentos foram aprovados depois de várias reuniões no Ministério. Os argumentos utilizados para justificar as ditas Orientações acentuavam a necessidade de compatibilizar o programa com um novo exame nacional. Também não compreendemos a posição da equipa revisora dos programas em vigor ao aceitar estes documentos que desvirtuam todo o trabalho realizado.
Quem quiser ter uma noção mais fiel do que aqui estava em causa deverá consultar estas duas peças de má memória onde se detecta a influência preponderante da Sociedade Portuguesa de Filosofia: as Orientações já referidas e a prova de Exame Nacional de 11º Ano de 2006. As primeiras, como dizia inicialmente a APF, constituem uma substancial e ilegítima alteração do Programa – e dizemos nós, uma subversão do Programa tornando-o doutrinário no sentido da Filosofia Analítica, reduzindo significativamente a pluralidade filosófica, pedagógica e didáctica que o caracterizavam. Os constrangimentos a que as ditas Orientações obrigam vão ao ponto de estipular como devem ser leccionadas certas temáticas e quais os autores e textos de referência obrigatórios. Trata-se evidentemente de condicionar professores e alunos a um modelo de exame que não tem antecedentes no ensino da Filosofia e que chega ao cúmulo de apresentar questões de escolha múltipla! Este fenómeno espúrio aconteceu pela primeira vez no exame nacional de 11º ano de 2006 e vai repetir-se este ano no último exame nacional previsto. Em boa hora o Ministério da Educação resolveu suspender estas Orientações no início do actual ano lectivo, último ano em que se prevê a realização do exame de 11º ano.
A questão que colocamos é muito simples: vale a pena propor um exame nacional de 11º ano para o ingresso no ensino superior? Se tivermos em conta os condicionalismos já apontados anteriormente, a resposta é claramente negativa. Reconhecemos a necessidade de exames nacionais e a sua função de proporcionar uma avaliação independente, justa e equitativa. Aliás, o Documento de Revisão Curricular já previa a realização de um exame no final do 11º ano. Ora as competências que o Programa prevê para os alunos no final do 11º ano são: saber recolher informação, clarificar o significado e saber utilizar conceitos fundamentais, redigir textos, participar em debates, analisar e compor textos argumentativos, realizar um pequeno trabalho monográfico. Não são estas competências comparáveis com as assinaladas para o 12º ano, onde se propõe uma verdadeira preparação para o ensino superior? Percebe-se assim que os primeiros anos de ensino da Filosofia, cujos programas tinham a designação de Introdução à Filosofia, não são necessariamente os mais indicados para serem utilizados no ingresso ao ensino superior, e muito menos num exame com este propósito.
O que propomos é a reintrodução do exame nacional de Filosofia no 12º ano como prova de acesso ao ensino superior. Este Programa, sem as alterações recentes que o tornaram inoperacional para provas de exame, é sem dúvida o melhor instrumento propedêutico para o ensino superior. Centrado na leitura integral e interpretação de três obras filosóficas de três épocas diferentes, este programa proporcionava condições únicas e estimulantes de trabalho hermenêutico e fornecia aos alunos a oportunidade do contacto com as obras de filósofos marcantes na história da filosofia. Os resultados obtidos nos exames de 12º ano corroboram as virtudes do programa e mostram que o critério dos professores de Filosofia é plenamente justificado e pode apresentar resultados satisfatórios.
É a inexistência do exame nacional de 12º ano que está a provocar a diminuição do número de alunos e de turmas, bem como a desqualificar o ensino da Filosofia, pois como já referimos, era esse programa que sempre tinha servido de acesso ao ensino superior e nunca o do 10º e 11º anos.
Apelamos à ponderação sobre esta proposta que consideramos ser a que melhor defende a qualificação dos alunos e do ensino da Filosofia no ensino secundário, permitindo uma melhor qualidade no trabalho desenvolvido com repercussões positivas no ingresso no ensino superior.
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*Professor da Ensino Secundário

[1] *Comunicação apresentada no Encontro “Olhares sobre a Filosofia”, realizado no Centro Nacional de Cultura no passado dia 23 de Março.
[2] Delors, J. (dir.) (1996), Educação – um Tesouro a Descobrir, Porto, Asa.
[3] Boletim Informativo da APF, III série nº7, Julho 2005 – "Ao primeiro documento (modelo de exame) respondemos com sérias reservas, mas construtivamente. Tratava-se de aperfeiçoar apenas um modelo. Porém, quando num curto espaço de tempo tivemos que tomar posição perante um texto de trabalho intitulado Orientações para a Leccionação do Programa, do qual nos dissociámos quase sem reservas, verificámos que não se tratava de melhorar um Programa e a sua leccionação mas de o alterar substancial e ilegitimamente."

Publicado no Jornal de Letras - Educação Junho 2007

Comments:
Desculpe, mas não tem razão. Lamentável, em todo este processo, foi o comportamento (antes ou após o almoço?) da APF; lamentável é o cliché da "Filosofia Analítica", quando nem se faz a menor ideia do que isso seja; lamentável é a sobrevivência do programa, uma manta de retalhos sem nexo nem densidade. A "estória" das OLPF, depois substituídas pelas "Orientações Complementares" está, neste post, muito mal contada...
 
A ausência de qualquer resposta ao comentário anterior demonstra bem a incapacidade democrática do autor do post e a insuficiência intelectual do raciocínio que nele é desenvolvido.
 
Não há no post qualquer bom argumento a favor da tese que pretende defender (nem sequer válido, nem sequer sólido, quanto mais bom). O que há sim são afirmações desgarradas, sendo algumas literalmente falsas (por ex., as que se referem ao contributo da SPF). Logo, qualquer agente racional que pense criticamente não tem de aceitar a tese que defende, baseada na apresentação acrítica de pelo menos algumas afirmações falsas, nada informadas do ponto de vista científico (ex. da referência que faz à filosofia analítica).
 
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