Inquietações Pedagógicas

"Não sei, meus filhos, que mundo será o vosso…"  Jorge de Sena in Metamorfoses

2.11.07
 
MUDANÇA DE PARADIGMA NA RELAÇÃO EDUCAÇÃO E ARTE
Natália Pais*


A Democratização da Cultura
O ponto de partida desta mudança diz respeito à forma de pensamento, não podemos ignorar que do paradigma cartesiano, racional, fechado, só coerente na sua lógica interna, passámos a uma racionalidade aberta, que não se reduz aos limites do ou (isto) ou (aquilo) mas que se movimenta num diálogo contínuo entre a idealidade e a realidade, uma forma de pensar combinatória (e / ou).

“O Encontro com Espinosa” veio confirmar que não é possível separar as relações lógicas entre sujeito e objecto, sentimento e razão, ser e estar – e que o conhecimento racional e técnico se articulam com o conhecimento simbólico e poético/artístico.

Outro aspecto importante a considerar nesta mudança diz respeito à aceitação da natureza bipolar do ser humano que é simultaneamente sábio e louco, empírico e imaginário, prosaico e poético, racional e ilógico. Ser que nasce dotado de capacidades reprodutivas e criadoras que tanto lhe permitem registar memórias, acumular conhecimentos, adquirir hábitos, agir em função de rotinas, como lhe permitem reelaborar as experiências anteriores, reagir a situações inesperadas, estabelecer múltiplos processos combinatórios e, pela condição supra-lógica da sua essencialidade lúdica, lhe permitem o acesso a novas normas, novos modos de sentir e de estar, sem o que não conseguiria admitir a mudança, adaptar-se ao futuro, imaginar o passado, criar e transformar o presente.

Outra realidade, hoje indissociável das questões da Educação diz respeito à consciencialização de que, tal como o conhecimento científico e o avanço tecnológico, o desenvolvimento artístico e as categorias do discurso estético são produtos de origem cultural.

“A sensibilidade, tal como o conhecimento, constrói-se, o talento forma-se, a inspiração adquire-se, a emoção prepara-se” ( Luís Porcher).

O acesso à fruição, à compreensão da Arte, tal como à experimentação e produção criativa fazem parte inalienável do direito à educação, pelo que “a Escola deve assegurar a igualdade de oportunidades no sentido de uma democratização da Cultura”.

No momento actual a educação não pode mais ignorar o efeito destruidor e corrosivo provocado, a nível pessoal e social, pela prática de sistemas educativos baseados em situações de rotura entre o que é sentido e o que é concebido, entre a sensibilidade e a inteligência, entre a emoção e a razão.

É fundamental educar a sensibilidade, aprender a exteriorizar as emoções, valorizar a unidade e a diversidade das linguagens artísticas como base sustentável de uma conflitualidade criadora, vivida através de formas saudáveis de encontro e confrontação.
O Papel da Arte na Educação

A Arte é uma linguagem universal que diz respeito à expressividade de ideias e sentimentos e cuja leitura e produção pressupõe o acesso a estruturas simbólicas específicas.

É através das actividades de expressão artística que a criança desenvolve a sensibilidade estética, as potencialidades criativas, as capacidades cognitivas , a facilidade de expressão de sentimentos e emoções e amplia o âmbito das relações afectivas e sociais.

Muito para além da estrutura do pensamento discursivo, a dimensão estética da educação permite visualizar sentimentos, ultrapassar e transformar rotinas, educa a “imaginação”, amplia sentimentos e conceitos, facilita a união com o Mundo, a ligação com os símbolos estéticos de outras culturas, condiciona a mudança dando oportunidade para propor a inovação e caminhar no sentido da Utopia.

A educação dos sentidos e da sensibilidade passa por situações de estimulação muito variadas e exige o domínio de práticas pedagógicas motivadoras, interactivas e lúdicas de modo a permitir formas progressivas de acesso à observação, à compreensão, à experimentação e à produção criativa.


* Membro da Direcção do Arteducação




Publicado no Jornal de Letras - Educação - Outubro de 2007

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