Inquietações Pedagógicas

"Não sei, meus filhos, que mundo será o vosso…"  Jorge de Sena in Metamorfoses

21.11.07
 
O "CHUMBO" E O ESTATUTO DO ALUNO
O “chumbo” e o Estatuto do Aluno


O Estatuto do Aluno dos Ensinos Básicos e Secundários foi aprovado na Assembleia da República, não sem ter provocado grandes discussões e acusações sobre faltas, facilitismo, recuos e quejandos. Ouvi as discussões, antes de ter lido a proposta de lei, e fiquei com curiosidade de ver o que estava efectivamente escrito. O que li foi a proposta de lei que está na página da AR. Não sei quais as alterações introduzidas no texto final, mas para o que se segue é irrelevante.
A discussão de uma lei deve, em primeiro lugar, situar-se no plano das finalidades e dos princípios. E é neste plano, dos princípios, que o que ouvi me fez ficar curioso. A leitura da Exposição de Motivos não satisfez a minha curiosidade, dado que apenas adianta como princípios a distinção clara entre tipos de medidas, a simplificação de procedimentos e o reforço do envolvimento dos encarregados de educação.
O que eu estava à espera de encontrar era uma distinção entre as questões académicas e as de comportamento. O princípio não foi explicitado, mas há aspectos da proposta que apontam neste sentido. Designadamente na não utilização do “chumbo” – em politicamente correcto dever-se-á falar de “manutenção no mesmo ano de escolaridade” ou não – como sanção automática por excesso de faltas injustificadas.
Ouvi quem se escandalizasse com o facto de um aluno que ultrapasse o limite de faltas poder passar de ano, desde que desse boa conta de si numa prova. E ouvi quem se insurgisse com a possibilidade de não haver distinção entre faltas justificadas e não justificadas.
A meu ver a questão da transição de ano só deve ter a ver com o aluno ter atingido os objectivos de aprendizagem estabelecidos para o respectivo ano de escolaridade. A falta às aulas leva presumir que o aluno não teve oportunidade de aprender, independentemente das faltas serem justificadas ou não. Se faltou, não esteve e é preciso assegurar que está em condições de progredir academicamente, tendo ainda em consideração possíveis medidas de recuperação. Se, para avaliar a situação académica do aluno, é necessário fazer uma prova, então que se faça. Mas ao considerar este mecanismo apenas para o caso de excesso de faltas injustificadas, a proposta de lei faz da prova um castigo e não um instrumento académico.
Outra é a questão de comportamento e de cumprimento das regras estabelecidas. Pelo facto de um aluno faltar, sendo as razões justificáveis e justificadas, não deve haver lugar a qualquer medida correctiva ou disciplinar sancionatória, para usar a terminologia da proposta de lei. Mas se for ultrapassado o limite de faltas não justificadas, o comportamento viola as regras estabelecidas e não pode passar sem que alguma medida seja tomada. A primeira preocupação na definição dessa medida é que contribua para o desenvolvimento de atitudes de responsabilidade e respeito pelos outros, neste caso pela comunidade escolar.
Independentemente do que se possa considerar quanto ao “chumbo” como medida académica, usá-lo como medida sancionatória de comportamentos não é só errado, é contraproducente. Não contribuirá para recuperar o aluno para a escolaridade e ajudará a empurrá-lo para o abandono escolar.

Pedro Lourtie

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