Inquietações Pedagógicas

"Não sei, meus filhos, que mundo será o vosso…"  Jorge de Sena in Metamorfoses

22.12.07
 
A EDUCAÇÃO NA COMUNICAÇÃO SOCIAL
O grupo informal que, em 2004, adoptou a designação provocatória de “inquietações pedagógicas” desejava, criando plataformas de discussão, elevar o nível, o “profissionalismo”, o realismo, a diversidade e a qualidade do debate sobre a educação em Portugal. Não procurava perspectivas ou soluções únicas mas pretendia que as questões que correm a opinião pública, muitas vezes “construída” pela comunicação social, fossem fundamentadas, fossem inseridas na realidade e história nacional, não menosprezassem o enquadramento internacional e nunca – apesar da má fama que se lhes quis criar - deixassem de ser ouvidos os actores e especialistas da educação. Entre 2004 e 2007 panorama não melhorou, os propósitos das “inquietações pedagógicas” mantêm-se e é deste tema que tratam os textos que se seguem.

O inesperado desaparecimento de Joaquim Bairrão Ruivo é um facto que não pode deixar de se assinalar, anunciando que a ele se vai dedicar integralmente a próxima colaboração no JLEducação de Janeiro.



A EDUCAÇÃO NA COMUNICAÇÃO SOCIAL

Ana Maria Bettencourt* e Maria Emília Brederode Santos**

As relações entre a educação e a comunicação social nunca foram pacíficas e, hoje, os textos referentes à educação e à escola parecem cada vez mais reduzidos a um “pensamento único” no qual não se revêem nem os protagonistas do processo educativo nem os estudiosos da educação.

Para dizer a verdade, as vozes dos protagonistas nunca foram muito ouvidas – por razões várias que vão desde a dificuldade em reconhecer aos alunos o direito de serem ouvidos e a sua opinião tida em conta, à tradição funcionária dos professores ou à complexidade da organização escolar...

Por outro lado, o espaço dos especialistas definhou: acabaram os programas televisivos e radiofónicos que, nas décadas de 70 e 90,tentaram contribuir para uma cidadania informada em matéria educativa; acabaram também – ou viram o seu espaço muito reduzido – as páginas de educação especializadas dos grandes jornais (a do Diário Notícias no final dos anos 80, a do Público muito mais recentemente), terminaram ainda os jornais ou revistas especializados mas dirigidos ao grande público – como o “Jornal da Educação” e outros.

Restam as “notícias”- cujo propósito não é, nem deve ser, contribuir para o aprofundamento do pensamento pedagógico e para o debate de ideias – e os textos de combate de alguns “opinion-makers” neo-liberais ou saudosos da escola antiga.

Mas a educação é um assunto demasiado sério para ser deixado apenas aos não-especialistas! As “Inquietações Pedagógicas” nasceram destas constatações e da vontade de promover, defender, apoiar medidas com base no conhecimento e de elevar a qualidade do debate pedagógico – primeiro na “Capital”, depois neste singular “Jornal de Letras” e sempre na blogoesfera (http://www.inquietacao_pedagogica.blogspot.com/), cada vez mais espaço de liberdade informativa.

A Página de hoje destina-se justamente a relançar esta questão e a promover o debate sobre uma das dimensões da relação entre a educação e a comunicação social. Outras se seguirão oportunamente.

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*Professora da Escola Superior de Educação de Setúbal e Conselheira do Conselho Nacional de Educação
**Directora da Revista “Noésis” e Conselheira do Conselho Nacional de Educação

QUANDO A ESCOLA É NOTÍCIA

Pedro Abrantes*
Se perguntarmos em que contextos públicos as crianças e jovens formam hoje as suas identidades, competências e culturas, qualquer um apontaria a escola e a esfera mediática. No entanto, que relação existe entre estes dois universos? Que mensagens transmitem um sobre o outro?
O projecto “Crianças e Jovens em Notícia”,coordenado pela professora Cristina Ponte e no qual tive o prazer de participar, permite-nos equacionar esta relação complexa mas fundamental para compreender a sociedade actual. Irei aqui cingir-me, em traços gerais, a uma análise das 1327 peças publicadas em 2005 sobre o universo escolar, nos quatro diários generalistas de maior tiragem.
O facto de a educação abarcar 23,5% das notícias que se referem a crianças e jovens, só superada pelas questões associadas ao risco social, mostra-nos até que ponto se encontra já consolidado e legitimado, pelo menos no universo mediático, o “ser aluno” enquanto ofício “natural” das crianças e adolescentes na sociedade portuguesa.
Mais, em comparação com os restantes temas, podemos observar que a educação constitui um assunto nobre, uma vez que surge mais representado nos jornais que se consideram de “referência”, a dimensão média das peças é maior, são ouvidas mais “fontes”, dispõe de um maior número de manchetes e destaques e a larga maioria das peças são assinadas pelos respectivos autores. No âmbito das abordagens da infância, merece, pois, um tratamento privilegiado.
Nos jornais, a educação tende pois a assumir um carácter público, sendo que mais de três quartos das peças referem informações provenientes de fontes institucionais. No entanto, essas entidades são, quase sempre, da administração central ou das forças sindicais, sendo que os especialistas no campo e as organizações internacionais acabam por ter uma presença residual, menor até do que noutros temas associados à infância. Ou seja, parece consolidar-se um espaço público, mas com acesso muito condicionado.
Não é pois de estranhar que mais de 65% das peças sobre educação têm um âmbito nacional, sendo que os fenómenos de cariz local, regional ou internacional acabam por raramente ser noticiados. Quando os especialistas no campo educativo reconhecem que as últimas décadas foram marcadas por fortes pressões, quer localistas quer globalizantes, os jornalistas parecem fiéis a uma visão centralista e nacionalista da educação.
As políticas governamentais (26% das peças) e os exames e avaliações (16%) são claramente os temas que dominam a agenda mediática sobre educação. Este enfoque tem contribuído, aliás, para que o reforço dos sistemas de exames e de avaliação se tornasse, nos últimos anos, um ponto central das políticas e debates neste campo. Seguem-se, com quase 10% cada um, temas de forte conflitualidade social, como as condições das escolas, os problemas sociais, a violência e os protestos/greves. Perante a total invisibilidade de outros temas, como o insucesso e o abandono escolares, somos levados a concluir que os jornais generalistas possuem uma agenda educativa própria, procurando introduzi-la na arena política.
Além disso, será interessante notar como a educação se estabelece também como terreno de opinião. Enquanto nos restantes temas associados à infância, o volume deste tipo de peças não ultrapassa os 6%, no caso da educação, representa 13%. Uma análise mais fina permite-nos ver como essas opiniões são expressas sobretudo por actores externos às redacções (leitores e opinion makers). Quatro em cada cinco destas peças são assinadas por homens, enquanto a maioria das notícias são escritas por mulheres. Perante a presença residual dos especialistas no campo, podemos então perguntar se esta centralidade das opiniões dos cidadãos não corresponderá a uma estratégia de afirmação, através de mecanismos de filtragem e de representação (selectiva) do espaço público, de posições editoriais.
Por fim, não podemos deixar os grandes ausentes das peças sobre educação são, afinal, os próprios protagonistas centrais dos processos educativos: os alunos e os professores. Convergem para este fenómeno factores tão diversos como a desvalorização geral das opiniões de crianças e adolescentes, os fortes constrangimentos actuais ao “jornalismo de terreno”, os entraves do Ministério da Educação à relação directa entre jornalistas e professores, uma visão da política como afastada das experiências quotidianas dos indivíduos…
Em suma, os jornais generalistas prestam hoje uma atenção considerável ao universo educativo, contribuindo para a sua constituição enquanto espaço público condicionado. Reforça-se assim um jogo de acção-reacção permanente entre as posições governamentais, as demandas sindicais e uma “nebulosa” de opiniões de um grupo restrito de agentes com uma posição social e mediática privilegiada. Nas margens deste espaço têm ficado as organizações não-governamentais, os especialistas no campo e... os próprios protagonistas do processo educativo (alunos, professores e famílias).
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*Sociólogo e Professor de Sociologia da Educação


(RE)LER A “CRISE” DA EDUCAÇÃO EM TRÊS JORNAIS

Ana Maria Bettencourt* e Cristina Gomes da Silva**

Com o projecto “Cidadania, Autoridade e Integração”[1], leit motiv deste texto, pretendeu-se compreender a oposição/desencontro existente entre o discurso transmitido pelos media a propósito da educação e as situações vividas pelas escolas.

O estudo centrou-se, assim, por um lado na análise dos discursos proferidos sobre a educação e a escola actuais, veiculados pelos media e, por outro lado, na identificação das práticas pedagógicas no interior das escolas conducentes ou não a uma maior integração social, a melhores aprendizagens e a um melhor exercício da cidadania.

Trataremos muito brevemente aqui, da análise efectuada sobre dois jornais diários - o Público e o Jornal de Notícias - e um semanário - o Expresso. A análise incidiu sobre as notícias (571, distribuídas pelos três jornais), os editoriais (11, todos no Público) e os artigos de opinião (101, dos quais 71, no Público, 27 no Expresso e 3 no JN) publicados durante o ano de 2002.

Queria-se tentar compreender como é que a produção mediática se ocupava do mundo da educação e das suas escolas, como caracterizavam a sua crise e que soluções preconizavam.

Nesse ano as polémicas em torno da “crise” da educação manifestavam-se de forma muito visível, designadamente através de acesas discussões e trocas de opinião nos media. O objecto principal dessas polémicas era a escola e a sua crise. A inflação da produção de discursos sobre a educação teve como “pretextos” os seguintes factos: a discussão sobre a publicação dos rankings de escolas em 2001; a publicação de dados do PISA, em Dezembro de 2001; a publicação do Manifesto para a Educação da República, em Fevereiro de 2002 (que originou 13 artigos de opinião no Público).

Como era caracterizada a crise ? A ideia de crise está muito presente nos jornais analisados. No entanto o modo como é tratada é diferente nos vários tipos de peças jornalísticas.

A grande maioria das notícias diz respeito às condições das escolas - edifícios degradados, sobrelotação, falta de pessoal auxiliar, o mau estado das escolas do 1º ciclo. Em segundo lugar encontram-se as notícias referentes a protestos, e dizem respeito designadamente a manifestações de alunos (contra a revisão curricular do ensino secundário) e de professores (a favor da estabilidade do corpo docente). Há ainda, com menor expressão, outros problemas como o insucesso ou o abandono escolar.

Como responsáveis pela crise surgem por exemplo, a falta de investimento, a perda de autoridade dos professores e, por consequência da escola, a instabilidade e falta de formação do corpo docente, os alunos e os seus problemáticos meios sociais de origem.

Nos artigos de opinião a crise é considerada em geral grave e generalizada, sendo apontada a ineficácia do sistema, a necessidade de reformas – apesar deste desejo de reformas, são, com frequência, ignoradas as que estão em curso, sendo remetidas para uma quase clandestinidade.

A evolução negativa do sistema é considerada resultado do papel do Estado, ou da acção dos políticos e práticos das políticas da educação. Fala-se da crise de confiança.

Nos editoriais do Público esta linha de pensamento é também seguida, havendo ainda uma crítica à falta de informação quantificada sobre o desempenho das escolas.

Como soluções para a crise surgem nas notícias, com grande frequência, referências à melhoria da rede (86 notícias), reformas (62 notícias), melhoria do parque escolar, dos manuais escolares, a avaliação e formação de professores.

Nos artigos de opinião refere-se a necessidade de mudanças radicais, sendo grande a insistência na necessidade de desenvolvimento de uma cultura de avaliação . Em grande parte das peças analisadas, domina um discurso liberal onde sobressai a defesa da criação de um mercado da educação; do cheque-educação; do fim do monopólio estatal sobre a educação; da remuneração dos professores em função do mérito e da possibilidade de a escola escolher os seus professores.

Os editoriais analisados seguem uma linha de rumo idêntica defendendo a avaliação como factor de progresso, a revisão do estatuto de carreira docente dos professores, a virtude da transparência dos rankings, a submissão a uma lógica de mercado.

Em suma, constata-se a existência de um discurso em que predomina uma visão exterior à escola, onde se ignoram os problemas de funcionamento interno decorrentes designadamente da democratização do acesso. As notícias parecem contudo mais próximas da realidade escolar do que os artigos de opinião ou os editoriais, em geral mais ideológicos e produzidos por elementos que desvalorizam a ciência e o conhecimento no domínio da aprendizagem e da educação.

Tratando-se de um contexto relativamente ao qual todos temos alguma familiaridade, torna-se mais fácil a produção generalizada de discursos e este “à-vontade opinativo” tem, sem dúvida, a ver com o facto de se tratar de um contexto experienciado por todos.

Alguns dos discursos veiculados pelos media evidenciavam, por um lado, um certo grau de desconhecimento do que se passava nas escolas e, por outro lado, ignoravam as recentes transformações vividas nas escolas e que foram efeito do processo de democratização. Assim, estava em causa um discurso que descolava da realidade sobre a qual era proferido. Este desencontro revela-se prejudicial à construção de consensos, sustentáculo essencial das reformas.

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*Professora da Escola Superior de Educação de Setúbal e Conselheira do Conselho Nacional de Educação
**Professora da Escola Superior de Educação de Setúbal


[1] Projecto realizado por Ana Maria Bettencourt, Cristina Gomes da Silva, Nelson Matias, Teresa Gaspar e Miriam Costa, no âmbito do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento e da ESE de Setúbal, vd. Noesis, nº 67.


Publicado no Jornal de Letras - Educação em Dezembro de 2007

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