Inquietações Pedagógicas

"Não sei, meus filhos, que mundo será o vosso…"  Jorge de Sena in Metamorfoses

25.1.08
 
BAIRRÃO RUIVO:
na Palavra, no Pensamento e na Memória

Cândido da Agra*

Que pode socorrer-nos no angustiante sentimento de perda do grande amigo, do exemplar colega Bairrão Ruivo? A palavra, o pensamento, a memória.

A palavra
Que palavras direi? O professor que a Universidade e o País acabam de perder era um académico de vasta cultura humanística e científica: para além da sua especialidade, dominava temas que iam da filosofia (a sua primeira formação) à biologia. Não por estéril curiosidade mas por fecunda convicção epistemológica e pragmática. Ao serviço da intervenção sobre os problemas humanos. Era ele um dos raros que antes de dizer a interdisciplinaridade a praticava. Numa Universidade como a nossa, divorciada da cultura, do universalismo e do humanismo, Bairrão Ruivo é um exemplo de resistência.
Quem, hoje, tem coragem para segui-lo?

O pensamento
A ausência física irreversível transporta-me para a presença imaterial, mas viva e legada, de Bairrão Ruivo: o seu pensamento. Leio três textos, retiro três lições.
Primeiro texto, 1969: “Contribuição do Prof.Zazzo … para o estudo da debilidade mental”.
Lição: na senda do seu mestre Zazzo, adverte: a técnica é um meio provisório, aplicada sem fundamentação teórica envolve dois perigos, o fetichismo e a tecnocracia.
Segundo texto, 1974:”…Problemas de Epistemologia da Psicologia”
Lição: “O psicólogo deverá interrogar-se com insistência sobre a ciência que pratica. Ai dele se não o fizer!” Que acontece? Corre “o risco de actuar sem sentido”.
Terceiro texto, 1992: “A perspectiva Ecológica em Psicologia da Educação”
Lição: a psicologia actual é chamada à construção de uma “nova teoria social do conhecimento e de um pragmatismo científico que conduza à solução dos graves problemas que se põem à humanidade”.
Muitas outras lições podem e devem ser retiradas dos escritos do Professor Bairrão. Quem vem visitá-lo na sua doação intelectual?

A memória
As nossas conversas, sem conto ao longo dos 20 anos de trabalho na mesma universidade, rapidamente descolavam da especialidade de cada um de nós e da epistemologia regional para as questões gerais do conhecimento e do método científicos. A, infelizmente, última ocorreu entre Campanhã e Santa Apolónia. Foi há 9 meses. Desta vez, centrámo-nos nas implicações das neurociências cognitivas para as ciências do comportamento. Encontrei Bairrão Ruivo, Professor Emérito de Psicologia, aluno de “master” em Biologia na Open University! Apesar da doença!
Quem poderá esquecer tão raro desejo de habitar na morada do saber e da ciência?

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* Professor na Faculdade de Direito da Universidade do Porto


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