Inquietações Pedagógicas

"Não sei, meus filhos, que mundo será o vosso…"  Jorge de Sena in Metamorfoses

28.3.08
 

Carolina Michaelis

O dia em que o país viu uma sala de aula
Foram muitos os comentários, publicados nos últimos dias, sobre a lamentável cena de violência ocorrida na Escola Secundária Carolina Michaelis.
Quase todos – partidos, sindicatos, opinion makers - tentaram encontrar “culpados”: a falta de formação de professores para actuarem em casos difíceis, o estatuto do aluno; o actual Governo que, ao querer avaliar os professores, fragiliza a sua imagem e os coloca à mercê dos alunos mal comportados, as famílias que não educam os filhos e, o mais extraordinário dos comentários, o de Vasco Pulido Valente que, no Público, acusava a longa lista dos ministros da educação que, desde Veiga Simão, teriam arrasado a autoridade e a disciplina.
Mais do que encontrar culpados para a cena visionada pelo país – reprovável sob todos os pontos de vista, e que deve ser claramente punida – há que tentar compreender as circunstâncias que a tornaram possível e criar condições para que cenas como esta não se reproduzam.
Apesar da insistência dos media, não creio que esta seja uma cena muito comum....mas ela não deveria poder acontecer em nenhuma escola.

Interrogações
Como é possível que um acto tão grave ocorrido numa sala de aula - quer o acto de violência da parte da agressora, quer o clima de achincalhamento perceptível no vídeo - seja tão silenciado que os responsáveis pela escola só dele tenham conhecimento muito tempo depois pela comunicação social?
Qual o papel do conselho de turma e do director de turma na regulação da disciplina?
Será possível que a situação de indisciplina que, segundo se tem dito na comunicação social, existiria nesta turma, não tenha sido analisada e não tenham sido tomadas medidas de prevenção?
Quais as regras existentes na escola quanto ao uso de telemóveis dentro da sala de aula? Existem regras claras na escola? Que medidas foram tomadas para as fazer cumprir? Como são enfrentadas as transgressões?

O passado não tem futuro
Tenho analisado, em escolas com que tenho trabalhado nos últimos tempos, algumas práticas que podem prevenir ou dar origem a situações de indisciplina e violência. É na escola concreta com os seus problemas e dificuldades que é necessário procurar o futuro.
O facto de a todos os elementos na escola - professores funcionários não docentes, alunos, direcção da escola – ser atribuída uma parte de responsabilidade pelo clima de trabalho e pela vida escolar, dentro e fora da sala de aula, é muito importante. É essencial que todos se sintam responsáveis pelo cumprimento de regras e pela educação dos alunos.
O conselho de turma e o director de turma podem ter um papel decisivo e a sua actuação concertada é essencial na prevenção da indisciplina e na integração escolar. As escolas devem prever tempos e espaços para que as equipas educativas programem o trabalho e analisem dificuldades, sem o que as situações críticas se podem ir agravando.
A actuação rápida, ao primeiro sinal, quer em casos de indisciplina, quer em casos de dificuldade escolar dos alunos, é decisiva. O trabalho com as famílias, infelizmente nem sempre possível, é também muito importante. A actuação concertada entre professores da turma, director de turma, direcção da escola e famílias é indispensável.
A criação de espaços de análise dos problemas e responsabilização dos alunos pelo cumprimento das regras e das leis é essencial para a criação de um clima de trabalho produtivo e é também uma estratégia por excelência de aprendizagem da democracia......A repressão das transgressões é essencial.....as práticas de castigos transformados em serviço cívico são um caminho com resultados muitas vezes positivos.

De nada adianta sonhar com o regresso ao passado.....parafraseando uma frase do jornal Le Monde da educação “o passado não tem futuro...” É preciso encontrar novas soluções para os novos problemas e para os novos objectivos da escola, entre os quais formar cidadãos responsáveis. A aprendizagem da responsabilidade é também uma função da escola, em cooperação com outras instituições como a família.

Quebrar a solidão de alguns professores
O princípio de que o que se passa na aula só ao professor diz respeito, e de que a direcção da escola não deve interferir no domínio das práticas de cada professor, pode dar origem a situações de grande solidão como aquela que a professora agredida deve ter vivido.
O que se passa dentro da sala de aula é da responsabilidade do professor mas essa responsabilidade deve ser partilhada pelo conselho de turma e pela direcção da escola, responsável pelo que se aprende ou não se aprende e pelo clima de trabalho que nela se vive.

Conheço escolas situadas em meios particularmente sensíveis que se organizaram para prevenir processos de violência e acompanhar melhor os professores.....seria bom que se mostrasse também esses casos.

Ana Maria Bettencourt

Comments:
É preciso que alguém tenha a coragem de dizer que a professora que se viu no video não mostrou ter competência para fazer face àquela situação ...pode ter sido boa professora num outro tempo, mas ali não soube agir....não se podia ter exposto a um confronto com os alunos. Não deveria ter tolerado a indiscipina generalizada na turma, não se deveria ter fechado perante um caso destes. Haveria vários modos de intervir......
Nem todas as pessoas podem ser professores.
 
Coitados dos professores....qualquer pessoa perante uma situação como esta dificilmente reagiria bem!
 
Um professor não é um deus... é um ser humano com fraquezas... umas vezes controla-as outras vezes falha...como todos nós... como o governo, como os ministros, como os vendedores, como eu. Todos precisamos de apoio numa ou outra ocasião do nosso percurso profissional. Quando o sistema falha nesse apoio durante, meses, anos, sempre, o resultado é o caos. Tudo o que esta professora fizesse em prol da disciplina naquela turma seria reprovado, alvo de contestação.Porque os meninos ( salvo excepções) se habituaram a ouvir em casa comentários menos bons aos seus professores. Muitos pais não educam, deixam essa responsabilidade a cargo da escola, e sentem-se perseguidos quando um professor toma medidas mais rigidas com os filhos: um raspanete, uma nota menos boa, é para muitos pais motivo de critica ao professor.Vivendo neste confronto de valores e na falta deles, como podem respeitar o professor? Os pais esquecem que o professor fica com o aluno durante uma fase, mas os ditos pais vão ter que "levar" com a falta de valores dos filhos para sempre... se pensassem nisso tomariam uma postura diferente.

manuela
 
A indisciplina que se vive na maioria das escolas é apenas reflexo do laxismo da sociedade, dos pais, do professores e da permanente agressão da sociedade de consumo desenfreado em que se mergulhou. O estímulo permanente à alienação juvenil que percorre os media, a publicidade e os "modelos" de comportamento em coisas tão simples como a música que a TV exibe, têm muita responsabilidade, se a não tiverem toda!
Quantas escolas convivem com o equipamento escolar destruído ?
Em quantas escolas é que são cumpridos as mais elementares regras de convivência?
A disciplina, se por um lado tem que ser exemplificada, ou é uma prática normal e quotidiana, ou não há forma de a implementar.
Não há nenhuma escola onde tudo corra bem, menos o lixo no chão.
Nem haverá uma escola com bom aproveitamento escolar onde "apenas" os alunos usem tlms durante as aulas, ou destruam o equipamento, ou se agridam entre si.
Cada comportamento laxista contribui para romper mais uma barreira de contençao.
Depois, já não há quem segure as situações descontroladas que ocorrem.
Se a Escola Pública quer ser o centro da Educação, os seus principais actores têm que assumir os seus direitos e fazer cumprir, aos subordinados, os seus deveres:
Comportarem-se civilizadamente e terem aproveitamento !
 
Um professor é um ser humano e falha como todos....mas já agora convém que tenha alguma formação e capacidade de reagir adequadamente em qualquer situação....há limites para a incompetência. A capacidade de se auto-observar e compreender as situações desenvolve-se.
A cena projectada dá para ver que se não houver algum saber-fazer, que se aprende,....um professor nunca será bom.
 
Um contributo para reflectirmos em conjunto sobre esta situação e a sua mediatização ...

http://abeirario.blogspot.com/2008/03/ao-que-chegmos.html
 
Estão muito satisfeitos com o julgamento público da aluna...a professora é agora a heroína....
e ela não tem culpa? quando se coloca na situação de tirar à força o telemóvel da aluna está a proceder bem? não a deveria expulsar ? e a responsabilidade da escola? São agora os heróis?
 
É legítimo fazer estas apreciações e muitas outras do género em termos genéricos, quando se tem por informação apenas minuto e meio de vídeo, mas isso não é o mesmo que julgar a situação concreta. Falta o resto, todo o resto que é quase tudo e pode, quem sabe, alterar completamente os juízos que se fazem por aí. E, já agora, a aluna tinha ou não o direito ao tm e à privacidade das mensagens? Por exemplo...
amp
 
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