Inquietações Pedagógicas

"Não sei, meus filhos, que mundo será o vosso…"  Jorge de Sena in Metamorfoses

30.4.08
 
S.O.S. EDUCAÇÃO ESPECIAL
Luís Miranda Correia**


No dia 7 de Janeiro de 2008 foi publicado no Diário da República o Decreto-Lei nº3, designado, na gíria, por “nova lei da Educação Especial”. Mandaria o bom senso que esta peça de legislação considerasse um conjunto de cláusulas que garantisse a existência e eficácia dos serviços de educação especial pelo menos para todos os alunos com NEE permanentes; que assegurasse a exacção e a adequação das decisões a tomar quanto à provisão desses serviços; que aprovisionasse os meios financeiros necessários ao seu bom funcionamento; que considerasse um conjunto de procedimentos administrativos, preciso e claro, a todos os níveis; que tivesse por base o conhecimento científico que a investigação credível tem gerado. Contudo, ao analisarmos o Decreto-Lei, verificamos que a maioria destas premissas não foram consideradas ou foram-no incorrectamente, talvez por três razões essenciais: (1) Pelo pensamento e a acção que motivaram a sua elaboração estarem arraigados a congeminências políticas; (2) Pela falta de consulta a especialistas de renome, a associações, a professores e a pais; e (3) Pela inexistência de debate e subsequente discussão pública.
Foi talvez a falta deste diálogo que deu lugar à publicação de uma lei incoerente, confusa, que deveria ter por objectivo primeiro elucidar as nossas escolas quanto à forma de responder mais eficazmente às necessidades dos alunos que requerem uma atenção muito especial, para que assim se pudessem criar condições que permitissem melhorar a sua qualidade de vida – educacional, socioemocional, pessoal e vocacional.
Como este não foi o caso, ficámos perante um Decreto-Lei, sintáctica e semanticamente confuso, bastando, para o confirmar, ler-se o primeiro parágrafo do seu preâmbulo. Retórico, com os chavões que, nesta matéria, já nos acostumámos a ouvir, tal como, “Todos os alunos têm necessidades educativas…”, ficando-se pela oratória em detrimento da conceitualização de termos como, por exemplo, o de inclusão, o de educação especial e o de necessidades educativas especiais.
A lei afigura-se-me, ainda, pouco original e curial, ao usar a linguagem do preâmbulo no seu preceituado (ver, por exemplo, o parágrafo sexto do preâmbulo e o preceituado no artigo 1º, ponto 1), deixando perceber a intenção de se pretender usar a todo o custo a Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (vulgo CIF), da Organização Mundial de Saúde. A propósito da CIF, o Decreto-Lei propõe o seu uso (artigo 6º, ponto 3) para determinar a elegibilidade do aluno com NEE para os serviços de educação especial e subsequente elaboração do programa educativo individual, sem que a investigação assim o aconselhe. Deste facto dei conta à Senhora Ministra da Educação quando lhe enviei, em devida altura, uma carta em que era visível o posicionamento de eminentes cientistas e investigadores estrangeiros, alguns deles envolvidos na adaptação da CIF para crianças e adolescentes, estando todos eles em desacordo quanto ao seu uso no momento presente. Mas, o mais caricato é que a CIF que a lei propõe é a versão para adultos e não a CIF-CA (Classificação Internacional de Funcionalidade para Crianças e Adolescentes) ainda em fase exploratória (Existe apenas uma tradução da grelha original, efectuada pela DGIDC, e uma versão experimental traduzida, com base na CIF (2003) e ICF-CY (no prelo), pelo Centro de Psicologia do Desenvolvimento e da Educação da Criança da Universidade do Porto). E mesmo depois da discussão da CIF-CA em Veneza (Outubro de 2007), ainda não existe investigação que aconselhe o seu uso, nos termos que o Decreto-Lei propõe ou em quaisquer outros termos. Ainda mais grave é o facto de: (1) a grelha que fundamenta a CIF não ser uma “Checklist” (Lista de verificação) como é designada pelos “peritos” da DGIDC, mas, sim, uma “Rating Scale” (Escala gradativa), uma vez que se pede para classificar comportamentos, sejam eles acções, envolvimentos ou desempenhos; (2) existir uma aparente sobreposição, diria até, indefinição, entre “actividades” e “participação” que podem levar a possíveis classificações incorrectas; (3) ao se pretender preencher esta escala gradativa, se tropeçar no princípio da subjectividade inerente a este tipo de escalas (tipo Likert), pelo que um elemento da equipa pode sugerir um qualificador, podendo um outro discordar; (4) se necessitar de muito tempo para preencher a escala, com as devidas consultas ao manual, e as dúvidas e discordâncias que ela e ele suscitam; e (5) a falta de investigação fidedigna que aconselhe o seu uso em educação.
É ainda importante referir aqui que, mesmo que se teime (porque é de uma birra que se trata, em que os alunos com NEE irão servir de cobaias a uma teimosia que os vai colocar, ainda mais, numa situação de insucesso e de desrespeito total pelos seus direitos) em usar a CIF-CJ em educação, ela não poderá sobrepor-se aos instrumentos e técnicas que os professores e técnicos especializados já usam, servindo apenas de repositório à informação por eles recolhida. Deste modo, mesmo se argumentarmos que a CIF-CJ se poderá constituir como um instrumento aglutinador de determinada informação, arrumando-a em códigos, em matéria de educação continuo a afirmar que o seu uso é totalmente descabido, sob pena de, como diz o notável cientista e professor, James Kauffman, estarmos a praticar “um erro sério, mesmo trágico”.
Mas, infelizmente, a procissão ainda vai no adro. A análise do Decreto-Lei nº 3/2008, de 7 de Janeiro, traz-nos mais algumas preocupações.
A primeira prende-se com o facto de se atribuir a coordenação do programa educativo individual ao educador de infância, professor do 1º ciclo, ou director de turma, consoante as circunstâncias, constituindo-se esta decisão como uma falácia a merecer a mais veemente crítica. É muita a investigação que nos dá conta do cepticismo e, por vezes, da hostilidade dos educadores e professores quanto às suas responsabilidades no que respeita ao atendimento a alunos com NEE nas suas salas de aula. Para além da falta de preparação, muitos deles sentem-se apanhados pela armadilha da “qualidade versus igualdade”, sentindo a “pressão” do sistema quanto à melhoria dos resultados dos seus alunos ditos sem NEE, mas simultaneamente tendo que responder às necessidades dos alunos com NEE, cujas aprendizagens atípicas lhes exigem competências que não têm e que, caso não lhes seja proporcionado o acesso a serviços especializados adequados, fará diminuir o sucesso escolar dos dois grupos de alunos.
A segunda preocupação tem a ver com a condição restritiva e discriminatória da lei. Ao limitar o atendimento às necessidades educativas especiais dos alunos surdos, cegos, com autismo, com multideficiência e surdo-cegueira (ver artigo 4º, pontos 1 a 5), está a discriminar a esmagadora maioria dos alunos com NEE permanentes (mais de 90%, representando mais de 100 000 crianças e adolescentes), alunos com problemas intelectuais (deficiência mental), com dificuldades de aprendizagem específicas (dislexias, disgrafias, discalculias, dispraxias, dificuldades de aprendizagem não-verbais), com perturbações emocionais e do comportamento graves (ex., esquizofrenias e psicoses) e com problemas de comunicação (ex., problemas específicos de linguagem).
Há ainda uma outra situação que me deixa preocupado e confuso, que se refere ao atendimento dos alunos surdos tal com a lei o prescreve. Fica-se sem saber se estes alunos se enquadram no espectro dos alunos com NEE permanentes, receptores de serviços de educação especial, ou se, pelo contrário, fazem parte de uma comunidade, com língua e cultura próprias, que deve beneficiar de uma educação bilingue. Sem pretender tomar partido quanto às posições adoptadas pelos indivíduos surdos, a educação bilingue de alunos surdos, descrita no artigo 23º do Decreto-Lei, deveria ser objecto de legislação à parte, uma vez que os paradigmas que dizem respeito à educação especial nada têm a ver com os que prescrevem a educação bilingue/bicultural. O simples facto de se introduzir numa “lei de educação especial” o factor da multiculturalidade (neste caso, do ensino bilingue/bicultural), pode levar muita gente a inferir que todas as crianças e adolescentes de determinada comunidade (ex., cigana, cabo-verdiana, bósnia) devem ser alvo de serviços de educação especial, o que anda muito longe da verdade.
Pelo que acima ficou dito, e dada a gravidade dos muitos pontos enunciados, formulo, em defesa dos direitos dos alunos com NEE, uma única questão: Será que os especialistas, os professores e os pais, perante uma lei tão despropositada, não deveriam pedir de imediato a sua suspensão, ou, pelo menos, a introdução de alterações significativas? Aqui fica a sugestão.
Para terminar, quero manifestar a minha estranheza quanto às palavras proferidas pela Senhora Ministra da Educação no Parlamento sobre a Educação Especial: “Se há área em que me envergonho como cidadã é esta. Prevaleciam todos os interesses menos os das crianças”.
Senhora Ministra, presumindo que as suas palavras pretendiam realçar a importância desta nova lei, e nunca um insulto àqueles que há tantos anos trabalham na defesa dos direitos dos alunos com NEE, então no primeiro período da sua afirmação o tempo do verbo envergonhar (no presente) poderá querer dizer que lamenta a sua publicação, estando eu plenamente de acordo consigo, sendo que, no segundo período, o tempo do verbo prevalecer (no passado) dir-nos-á, porventura, que defende intransigentemente os direitos das crianças com NEE e que é tempo de começar a respeitá-los. Não poderei também estar mais de acordo. Só que esta nova lei desrespeita os direitos da maioria dos alunos com NEE. Diria mais, com a inclusão da CIF no seu preceituado, sem que a investigação o aconselhe, desrespeita os direitos de todos eles.

*Professor Catedrático e Coordenador da Área de Educação Especial da Universidade do Minho





Publicado no Jornal de Letras - Educação em Abril de 2008

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