Inquietações Pedagógicas

"Não sei, meus filhos, que mundo será o vosso…"  Jorge de Sena in Metamorfoses

21.9.08
 

Insucessos da escola
Conheci J. esta semana, no seu primeiro dia de aulas. É um menino com um olhar inteligente e triste. Alguém perguntou que ano de escolaridade frequenta. A avó que o acompanhava, visivelmente incomodada respondeu que repete a 1ª classe. Passado um dia explicou-me, já sem a presença de J. , que este se encontra pela terceira vez no 1º ano de escolaridade. Que as professoras dos anos anteriores tinham considerado que os problemas familiares causados pela separação dos pais não lhe permitiam aprender como os colegas e, por isso, deveria repetir o ano para aprender mais.
Como em muitos outros casos a escola não se considerou parte do problema e assumiu uma atitude de um determinismo inaceitável, tanto mais que se sabe que o efeito do trabalho na turma pode ser decisivo .
Tenho conhecido escolas em que os professores organizam o acompanhamento dos alunos e o trabalho na escola de modo a que todos os alunos aprendam. Escolas que assumem a responsabilidade pelas aprendizagens.
Se J. vivesse num outro país da Europa possivelmente já estaria a frequentar o 3º ano e teria adquirido os conhecimentos equivalentes a esse ano de escolaridade. Estaria seguramente muito mais motivado para aprender.
Em Portugal não é, em princípio, permitido "chumbar "duas vezes o 1º ano de escolaridade, mas isso acontece, considerando-se que se fez justiça e pedagogia!
....e as consequências recaem unicamente sobre os alunos e as famílias.
O "chumbo" é a solução facilitista, a solução em que a escola assume o seu insucesso.
Ana Maria Bettencourt

Comments:
A escola, na sua eterna dicotomia, não só estimula o ensino-aprendizagem, mas também torna as crianças refém da norma idealizada.
O J., como muitas outras crianças, ficou entregue à comparação com a norma, mais do que ao estímulo de desenvolvimento de competências e aquisição de novos saberes a partir do seu ponto de partida: o que ele já sabe.
O J., como muitas outras crianças, acumula sentimentos de fracasso, simplesmente porque a escola existe.
Todavia, continua a ser possível, com a escola, traçar outro caminho: aquele em que o J. acumula novos saberes, porque a escola existe.
Recordando palavras de Albert Jacquard: “Eduquer” tem a raiz “educare” (alimentar) para uns, “educere” (elevar o próprio – levá-lo mais longe) para outro.
Porque não apostar no “educere”, nos projectos educativos de escola?
Pascal
 
É uma excelente pista.

Estas situações não aconteceriam se a aposta fosse efectivamente levar a criança mais longe e não ver o que ela não sabe relativamente às outras crianças....
O pior é que enquanto estas situações acontecem os danos são irreversíveis!
É terrível a indiferença das escolas a estas situações....
 
É muito estranho ser afirmado que uma criança ficou retida no 1.º ano, pois a legislação impede isso. Veja-se o Despacho Normativo n.º 1/2005: «55—No 1.º ano de escolaridade não há lugar a retenção,excepto se tiver sido ultrapassado o limite de faltas
injustificadas, em observância do disposto na Lei n.º 30/2002, de 20 de Dezembro.» Portanto, uma criança só pode ser retida no 1.º Ciclo no 2.º ano e seguintes e isso em último recurso. E acusa-se logo a escola de nada ter feito... Por que é que um professor tem de fazer tudo sozinho? Por que não existem equipas multidisciplinares para tratar destes casos? Somos sempre bons a resolver os problemas dos outros!... O problema é quando nós próprios sentimos a incapacidade de lidar com determinadas situações...
 
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