Inquietações Pedagógicas

"Não sei, meus filhos, que mundo será o vosso…"  Jorge de Sena in Metamorfoses

13.11.08
 



FACILITISMO

Rosa Soares Nunes

Facilitismo é, porventura, a palavra que, nos últimos tempos, tem sido o suporte significante do pensamento mais reaccionário. Mas no caso particular das apreciações dos exames escolares de 2008, um pouco mais do que isso: a perversidade (sustentada por um senso comum verdadeiramente mistificatório, já que toma ares de grandes esclarecimento), de causar grande indisposição uma prova de matemática que se mostrou menos selectiva, menos segregadora, apesar de inscrita nessa irracionalidade que é a classificação através de exame. E que, como tal, corre o risco de não ter posto em evidência a meia dúzia dos que serão os grandes cérebros que cuidarão da felicidade dos homens, apesar deles, dando oportunidade (apesar de tudo, sempre muito desigual, não tenhamos ilusões) aos que engrossarão a imensa coluna dos trabalhadores descartáveis, configurando o quadro das actuais necessidades do sistema capitalista. É que, não é de pouca monta o efeito “insucesso” nos processos afectivo-cognitivos que asseguram condições que favorecem as aprendizagens. E de como a injustiça social se transmuta em injustiça cognitiva, tão socialmente construída, também no confronto com resultados que melhor sustentam esta diferenciação desigual. Cada vez entendo melhor a analogia que Fritzel, invocando as teorias do Estado de C. Offe, faz entre as “notas” escolares e os salários … desiguais, estimulantes para os já por mil razões estimulados, desencorajadores para outros que, no horizonte, vêem o desenho de um caos de expectativas.
As condições contextuais (macroestruturais, ideológicas) de determinação do acesso ao conhecimento não são desligáveis das condições internas aos sujeitos/objectos de aprendizagem que também passam pela necessidade/interesse/curiosidade de conhecimento e não será o insucesso que a promove.
Vá lá que, apaziguados por resultados “menos bons do que o expectável” dos exames de Português, houve um respirar de alívio ….

Comments:
As acusações de "facilitismo", na avaliação dos alunos, são apenas a outra face da moeda do desprezo pelos desfavorecidos e pelos marginalizados, são a expressão da arrogância de classe que se manifesta sempre de cima para baixo, sobre os que mais necessitam de apoio. O facto de serem crianças não as coloca a salvo do desprezo. E, se por acaso, para além da origem social se lhes puder colar um rótulo de origem étnica, então o quadro fica até mais colorido e carregado de razões lexivantes.
Permito-me lembrar aqui parte da intervenção em Filadélfia de Barack Obama, em 19 de Março de 2008 e que traça todo um programa contra a exclusão socio-educativa:
"Desta vez, não! Desta vez, queremos falar sobre as escolas decadentes que estão roubando o futuro de crianças negras, brancas, asiáticas, hispânicas e indígenas.
Desta vez podemos talvez rejeitar o cinismo que nos diz que essas crianças são incapazes de aprender, que essas crianças de aparência diferente das nossas são problema de outra pessoa. As crianças dos Estados Unidos não são 'essas crianças': são as nossas crianças, e não permitiremos que fiquem para trás na economia do século XXI."
Vamos ter oportunidade de aprender muito com as soluções sociais que se preparam do outro lado do Atlântico!
Vai ser de uma ironia sem fim o facto de ser um descendente de colonizados, um mestiço, quase apátrida que vai meter ombros, por via da democracia, à solução dos problemas que o capitalismo e a segregação provocaram no tecido social americano!
E ainda há quem considere tudo isto como "facilitismo" !
MFerrer
 
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